sexta-feira, setembro 18, 2020

El Cisco, a figura de ficção que desejavas ser

 

1. A jovem dos cabelos de ouro

Houve um momento em que o Estorietas se julgava essa figura lendária do Oeste que foi el Cisco Kid. Ele imaginava-se a atravessar os locais visitáveis de Ourém no seu corcel Diabo, acompanhado dessa figurinha balofa e hilariante que era Juanico, el Panchito. Enquanto el Cisco pensava nas lindas garotas que poderia encontrar nos subúrbios, el Panchito sonhava com a boa comidinha que encontraria nas casas de pasto.
Um dia, foram passear para os lados do Castelo e os pensamentos deles cumpriam o costumeiro ritual. De repente, el Cisco olhou do alto do seu corcel na direção de um jardim e chamou a atenção do amigo.
- Olha, Panchito, é ouro, verdadeiro ouro… - e apontou na direção do jardim.
O amigo olhou na direção indicada, mas não viu nada.
- Ouro? Estás com visões, não vejo nada.
Mas el Cisco já se tinha acercado do que lhe havia chamado a atenção. Uma linda jovem penteava os seus cabelos dourados em cima de uma charrete puxada por um lindo cavalo, preparando-se para ir até Ourém.
- Bom dia. Como se chama uma flor tão linda de cabelos de ouro?
A jovem sorriu, mas, ao ver el Panchito, logo franziu o nariz e ripostou.
- Por quem me toma, vagabundo, para vir com esse ar de galanteador? Afaste-se se não quer provar o sabor do meu chicote.
E pôs imediatamente o carro em movimento, afastando-se na direção pretendida.
El Cisco, de chapéu na mão, ficou estupefacto e olhou para o amigo.
- Não percebo, fui tão delicado. O que é tem essa jovem contra ti? Porque foi quando ela te viu que ficou transtornada…
- Juro que nunca a tinha visto. Mas não te rales, vamos beber uma ginjinha e comer qualquer coisa ali em baixo.
- És incorrigível. Sempre a pensar em comida…
Desceram lentamente na direção da casa da ginjinha, mas, ao passarem junto de um fontanário que também era usado para os cavalos se dessedentarem, ouviram tiros provenientes da estrada que conduzia a Ourém.
- Vamos! – gritou el Cisco.
E dirigiu o cavalo na direção de onde vinham os tiros.
- Mas para onde vai este maluco? Logo agora que estávamos a chegar à comidinha – lamentou-se el Panchito. Mesmo assim, foi à loja da ginjinha antes de acompanhar o amigo.
Este já se encontrava perto do local do tiroteio. Mais abaixo, três bandidos rodeavam a charrete da jovem de cabelos de ouro.
- Saia imediatamente. Precisamos dessa carruagem para nós.
Mas ela resistia.
- Nem pensem nisso. O meu chicote defender-me-á de vocês.
Um deles ergueu a sua arma na direção da jovem, pronto a atingi-la e, de repente, ouviu-se um tiro. Um único tiro…
A bala que el Cisco disparou fez a arma do bandido voar da sua mão e este, espantado, viu surgir aquela figura garbosa a toda a velocidade e só pensou em fugir. Os seus amigos, entretanto, já desciam a boa velocidade na direção de Ourém.
- Foge, bandido, ou dou cabo de ti – gritava el Cisco.
Pouco depois, estava junto da jovem.
- Não sei como lhe hei de agradecer. E, há pouco, fui tão desagradável quando me falaram…
- Não se preocupe com isso. Que queriam esses meliantes?
- Nunca os tinha visto. O Castelo é um local muito calmo, isto nunca me tinha acontecido…
- Talvez não a voltem a incomodar. De qualquer modo, o melhor é eu acompanhá-la.
- Terei muito prazer. Mas vai demorar um pouco daqui até Ourém.
- Não faz mal. O meu nome é Estorietas, mas sou mais conhecido por el Cisco Kid…
- Eu chamo-me Céu, Maria do Céu e, sabe?, identifico-me com uma figura das suas aventuras. A Lucy Baker.
- Oh! A doce Lucy. Que saudades tenho dela…
Nesse momento, el Panchito chegou junto deles.
- Cisco, não podemos demorar-nos. Já encomendei um cabritinho para o nosso almoço…
- Pois vais ter de esperar. Agora, vou acompanhar esta jovem até Ourém.
E el Panchito ali ficou a pensar no cabritinho enquanto el Cisco tomava lugar na carruagem junto à bela jovem com o objetivo de a acompanhar e proteger até Ourém enquanto docilmente o cavalinho Diabo os seguia fazendo o seu trote acompanhar o ritmo da charrete.
Panchito olhou para trás incrédulo. Aquele seu amigo era sempre o mesmo, abandonava tudo por uma cara bonita. Mas ele não o podia abandonar, até para o não deixar cometer qualquer coisa que o levasse a abandonar a vida de aventuras sempre tão recheada de boa comidinha. Com um leve encolher de ombros, dirigiu um último olhar ao local onde tinha encomendado o cabritinho, e dirigiu o cavalo na direção que o seu amigo seguia enquanto pensava no excelente repasto que ia perder…


2. Flor Vermelha pede auxílio

O Estorietas, na sua pele de el Cisco Kid, e a Ceuzinha, qual Lucy Baker, seguiam calmamente na charrete que os conduzia a Ourém. Mais atrás, Juanico, el Panchito, seguia-os fielmente, amaldiçoando quem iria comer o cabritinho que ele tinha encomendado, e, a certa altura, notou uns movimentos estranhos no meio de umas moitas.
- Outra vez os bandidos… e desta vez el Cisco vai embevecido com a jovem amiga.
Rapidamente desmontou e sorrateiramente aproximou-se do local onde tinha notado os movimentos. Não estava enganado… um dos bandidos estava ali escondido, decerto esperando que a jovem regressasse de Ourém.
- Tenho de fazer qualquer coisa – pensou el Panchito.
Puxou da sua arma e foi-se aproximando sem fazer ruído. Pouco depois, estava a dois passos do bandido e apontou-lhe a arma.
- Mãos no ar! Não faças um movimento…
Mas o homem não obedeceu. Tentou resistir e el Panchito teve de dar-lhe um tiro na perna para o dominar. O homem ficou encostado a uma árvore torcendo-se com dores.
- Vais dizer-me onde estão os teus amigos e o que querem fazer…
- Não vou dizer nada…
- Então, vamos esperar por el Cisco e vamos entregar-te na prisão…
Mais à frente, a conversa entre el Cisco e a Ceuzinha estava animada.
- Cisco, desde que vou a teu lado, sinto-me cada vez mais confiante.
- Mas há pouco dizias que esta terra era segura que nada te metia medo.
- Era porque nunca tinha vivido uma situação destas. Era tão bom que ficasses ao pé de mim. E el Panchito também poderia ficar. Tenho um lugar para ele na minha mansão…
Nesse momento, ouviu-se o tiro disparado por el Panchito…
- Oh! – disse ele Cisco. – Estava completamente esquecido dele. Tenho de o ir procurar.
E, sem esperar por mais nada, afastou-se da Ceuzinha, montou no Diabo e retrocedeu pelo caminho por onde viera.
Entretanto, um homem estranho chegou junto da Ceuzinha em cima de um cavalo completamente suado.
- Disseram-me que el Cisco estava por aqui. Preciso de o encontrar, tenho uma carta para ele.
- Dê-me a carta que eu entrego-lha – respondeu a Ceuzinha.
- Não. As ordens que tenho são para a entregar só a ele.
E a Ceuzinha teve de ceder e decidiu ir até Ourém sozinha.
- Bom… ele foi na direção do Castelo. Deve encontrá-lo no caminho.
Pouco depois, o estranho homem encontrava el Cisco e el Panchito que amarravam o bandido a um cavalo.
- Procuro el Cisco Kid. Tenho uma mensagem para ele.
- Sou eu. Pode dar-me a mensagem.
O homem saltou do cavalo e entregou uma carta a el Cisco que a leu imediatamente.
«El Cisco, meu amigo, preciso da tua ajuda. Fiz um muro à volta do Sazal e desde então passam-se coisas estranhas. Preciso da tua ajuda. Por favor, vem imediatamente. Sempre tua. Flor Vermelha.»
Quem seria esta Flor Vermelha que parecia tão íntima com el Cisco?

3. O tesouro do Sazal

El Cisco e el Panchito corriam a toda a velocidade, em cima dos seus cavalos, na direção do Sazal onde eram esperados pela sua amiga Flor Vermelha.
Mas quem era esta jovem que parecia tão íntima de el Cisco e que parecia não duvidar que ele iria socorrê-la imediatamente? Flor Vermelha nascera na bela terreola denominada Red Pears, uma pequena povoação a dois quilómetros de Ourém e, desde pequena, conhecera o Estorietas com quem mantinha uma longa amizade. Conhecedora das suas aventuras como el Cisco, não duvidava que ele obedeceria imediatamente a um pedido seu.
Mas estava escrito que a passagem de el Cisco por Ourém não iria ser pacífica. Ao passarem junto à quinta de Santa Bárbara, el Cisco e el Panchito aperceberam-se de um grupo de homens que parecia esconder-se. Imediatamente tomaram as medidas para se defender. El Panchito foi o primeiro a sofrer o ataque do grupo, mas, antes de ser derrubado, conseguiu reduzir à impotência três homens. Os restantes foram imobilizados por el Cisco que, apercebendo-se que o amigo estava bem, disse em voz alta.
- Panchito, vou ter com Flor Vermelha. Encontramo-nos na cruz da Regato mais logo…
E el Cisco prosseguiu na direção do Sazal. A noite, entretanto, começava a cair sobre a Terra. Já perto daquele local, el Cisco sentiu que alguém saía do meio de umas moitas e o fazia parar.
- Cisco, para… sou eu, Flor Vermelha.
E à frente do Estorietas apareceu a sua bela amiga Mari´mília.
- Flor Vermelha!!! Que fazes aqui? É quase noite… no meio de tantos perigos…
- Um grupo de homens persegue-me…
- Anda, monta o meu cavalo e eu protejo-te. E explica-me tudo o que se passa…
A jovem montou o cavalo de el Cisco e sentiu-se mais protegida quando os braços dele a envolveram conduzindo a montada.
- Fiz um muro à volta do Sazal e, desde então, um grupo de indivíduos não para de me fazer ameaças. Inclusivamente, já deitaram abaixo parte do muro que eu tive de reconstruir.
- E sabes quem são esses indivíduos?
- Já os vi, mas não os conheço. É gente nova aqui por Ourém…
- Vamos tentar apanhá-los. Eu disse ao Panchito que nos encontrávamos esta noite na Cruz do Regato. Eles ouviram e decerto estarão lá à nossa espera, por isso, vamos ser mais cuidadosos que eles.
Ainda foram até ao Sazal onde descansaram um bocado, tendo a jovem Flor Vermelha preparado uma refeição para el Cisco. Mais reconfortados, decidiram-se a partir para Ourém na direção da Cruz do Regato onde eram esperados por el Panchito.
Este, descuidado como sempre, tinha estado a comer lauto banquete no Bengala e, depois disso, dirigiu-se para o local de encontro com o amigo. Sem notar que era seguido…
- Vamos esperar que o amigo apareça – dizia uma voz. – Somos mais, não haverá problemas em apanhá-los.
Mas não conheciam el Cisco. Enquanto el Panchito esperava junto à Cruz do Regato, este já estava emboscado com Flor Vermelha nas redondezas e não lhe foi difícil notar a aproximação dos bandidos.
E durante meia hora todos estiveram emboscados vigiando el Panchito que permanecia encostado à Cruz.
«É estranho, el Cisco disse para vir para aqui e nunca mais aparece. Ainda se me pudesse sentar ou dormir uma soneca».
Mas os bandidos estavam impacientes e estava escrito que el Panchito iria demorar a adormecer nessa noite. Decidiram por isso aprisioná-lo e aproximaram-se dele bem armados apesar do seu ar descuidado.
- Mãos no ar! Onde está o seu amigo?
El Panchito apressou-se a obedecer, mas, quando um bandido se preparava para lhe tirar as armas, viu o sinal que el Cisco lhe fez e derrubou o bandido com um murro poderoso. Os outros tentaram atacá-lo, mas a voz poderosa de el Cisco fê-los parar…
- Quietos todos! Estão debaixo da minha linha de fogo…
Os bandidos ficaram rígidos e mais nervosos ficaram quando viram Flor Vermelha. Sob a proteção de el Cisco, ela desarmou todos os bandidos e el Cisco fê-los sentar no chão.
- Agora, vão explicar-me por que razão atacam o quintal desta jovem todos os dias.
- Nós… nós nunca fizemos nada disso…
- É mentira. Desde que estão em Ourém não têm feito outra coisa do que atacar pessoas. Lembro-me de ter visto dois de vocês esta manhã a atacar uma jovem no Castelo…
- Insisto em que nada temos a ver com isso.
- Não? Então, vamos entregá-los à polícia. Panchito, vai já procurar dois agentes para levarem estes energúmenos presos.
- Espere, espere… se nós falarmos e prometermos afastar-nos, deixa-nos em liberdade?
- Podemos pensar nisso. Vamos, falem antes que me arrependa.
- Há dois anos guardámos o produto de um assalto no interior do quintal onde essa jovem fez o muro. Viemos para Ourém com o objetivo de recuperar esse tesouro…
- E não pararam de assaltar pessoas… O produto de um assalto, dizem vocês.
- Sim, dentro duma arca, a três passos da figueira mais a Sul… Era muito dinheiro que precisamos de recuperar…
- Vamos esclarecer isso. Amanhã pela manhã, vamos escavar o local que estão a dizer. Se for verdade, entregamos o dinheiro na polícia e deixamo-los partir. Se for mentira, vamos ter de pensar…
Obrigaram os bandidos a acompanhá-los até ao Sazal e, no dia seguinte, pela manhã, forçaram-nos a cavar junto da figueira referida. Ao fim de algum tempo, um deles disse:
- Esperem, acho que encontrei alguma coisa…
Apressaram-se a ver o que o indivíduo tinha descoberto.
- É uma arca. De certeza está aí o tesouro.
Pouco depois, o estranho objeto estava totalmente descoberto. Repararam que estava fechado a cadeado. 
- Não temos chave -disse um dos bandidos.
- Não faz mal – respondeu el Cisco puxando do seu revólver.
Com um disparo, destruiu o cadeado. Um dos bandidos, abriu avidamente a tampa da arca. Mas… o que encontrou lá dentro não era o que esperava…
- Só pedras… e aqui parece estar um papel.
Desdobraram rapidamente o papel.
«Meus caros amigos, calculava que algum dia viriam à procura do tesouro que tanto me custou a encontrar. Aqui vos deixo uma pequena compensação para tanto trabalho que tiveram. Com elevada consideração. A dama do Castelo»
Os bandidos ficaram estupefactos.
- Perdemos… perdemos tudo…
- E quem será essa dama do Castelo? Temos de a encontrar…
Mas el Cisco não estava pelos ajustes.
- Já viram que aqui não há qualquer tesouro. Se insistirem em manter as buscas, entrego-vos à polícia. A escolha é vossa.
E, nessa tarde, evidenciando grande desânimo o grupo de bandidos saiu de Ourém, prometendo nunca mais voltar. Mas, na mente de el Cisco, mantinha-se uma questão: «Quem seria a dama do Castelo?» E logo de seguida: «A dama do Castelo teria alguma ligação com a jovem atacada na manhã do dia anterior por bandidos que não tinha a certeza se teriam sido aqueles?». «E se houvesse dois grupos de bandidos empenhados na mesma busca?».
Nessa noite, el Cisco e el Panchito pernoitaram no Sazal, fazendo companhia a Flor Vermelha que assim ficou mais tranquila. El Cisco não tardou a ouvir as mesmas palavras que já escutara numa manhã anterior.
- Por que não ficas aqui comigo? Deixa a tua vida de aventuras onde esse gorducho só te põe a pensar em comida.
Mas o pensamento de el Cisco nesse momento estava na dama do Castelo e aquelas palavras como que lhe passaram ao lado.

4. O mistério da dama do Castelo

No dia seguinte pela manhã, enquanto el Panchito tomava o pequeno almoço, devorando tudo o que podia ser devorado, el Cisco e Flor Vermelha foram dar um passeio pelo meio dos pinhais que rodeavam o Sazal.
- Já me sinto mais em paz e com a tua companhia… - dizia ela.
Mas el Cisco permanecia pensativo. A certa altura, falou.
- Sim, eu julgo que ficas em segurança mesmo sozinha, pois aqueles bandidos viram que a mala estava cheia de pedras e não havia qualquer encenação. Mas estou intrigado…
- Intrigado com quê?
- Com essa dama do Castelo… como é que ela soube do tesouro? Como o pôde levar sem teres dado por isso?
- Antes, tudo isto era aberto e eu só passava aqui parte dos dias. Era fácil alguém andar por aí a bisbilhotar e escavar naquele sítio…
- Mas a própria designação que usa é esquisita. Porquê a dama do Castelo?
- Não me digas que a pessoa denunciou a sua origem…
- Há pessoas presunçosas, arrogantes que gostam de sentir uma atmosfera de suspeita à sua volta. Flor Vermelha, recebeste alguém do Castelo em tua casa nos últimos dois anos?
- Que me lembre, não. Espera… fiz uma sardinhada para a qual convidei a bela Sylvia que habita no Castelo.
- Sylvie, la belle… a mulher que caçava fortunas aos crápulas. Mas quem é essa tua convidada?
- A Cietezinha e é irmã da pequena que ontem defendeste.
- O quê? Isso parece explicar tudo… os bandidos confundiram uma com a outra. Quem eles queriam apanhar era a Sylvie. E agora? Como vamos saber se foi ela quem descobriu o tesouro que estava no Sazal?
- Não faço a menor ideia, nem quero pensar mais nisso…
- Mas podes ajudar-me numa coisa. Podemos fazer o teste da letra. Telefona-lhe a pedir que te mande um postal do Castelo e que escreva no mesmo algumas palavras. Se as letras forem iguais…
- Não sei se tenho coragem para isso…
- Flor Vermelha, temos de descobrir isto, senão toda a vida essas duas jovens estarão cobertas pelas nossas suspeitas.
A custo ela concordou. E, nessa mesma tarde, telefonou à Cietezinha pedindo-lhe que lhe mandasse um postal do Castelo com algumas palavras. Do outro lado, o pedido foi recebido com agrado…
- Vou já fazer isso…
Passaram dois dias. El Cisco e Flor Vermelha continuaram a fazer os seus passeios e a comentar o estranho desaparecimento do tesouro. Entretanto, o postal de Sylvie, la belle não se fez esperar. Os dois amigos ficaram desiludidos.
- Não há dúvida – dizia o Estorietas. – A letra do assaltante nada tem a ver com a letra dela. É só gatafunhos. Nem sei como os professores do CFL lhe conseguem ler os testes. Eu anulava-lhos todos…
- E agora? Que havemos de fazer?
- A Cietezinha está afastada de qualquer suspeita. Fico contente por isso. Mas a verdade é que, tirando ela e a irmã, não estou a ver nenhuma outra pessoa que possa intitular-se a dama do Castelo.
- Espera… Não achas possível que quem levou o tesouro tenha querido atirar as suspeitas para cima delas?
- Eu até acho muito provável. Talvez o melhor seja falarmos com a Cietezinha. Ela pode ter falado com alguém acerca do Sazal…
- Vou convidá-la para vir almoçar connosco.
No dia seguinte, no Sazal, enquanto el Panchito comia como um louco devorando tudo o que havia para devorar, Sylvie, la belle era posta ao corrente das suspeitas de que tinha sido alvo e da armadilha que el Cisco e Flor Vermelha lhe tinham preparado.
- Não sei se ria, não sei se chore – disse ela no final. – Estorietas, desiludiste-me completamente. Nunca pensei que pudesses alinhar numa armadilha contra mim. E tu, Nicha, tira o cavalinho da chuva. Nunca mais alinharei num almoço contigo aqui no Sazal.
- Não penses assim. Só pensámos que pudesses saber alguma coisa deste assunto.
- Cietezinha – dizia o Estorietas. – Conheces-me há tantos anos. Sabes que nunca faria nada para te prejudicar…
- Não digas isso. Lembro-me bem do olhar que me deitavas quando tinha notas melhor que as tuas no CFL. És um invejoso… se pudesses, naquela altura, fulminavas-me…
- Acalma-te e vê se te lembras de alguma coisa que possa ajudar-nos na investigação.
- Mesmo que me lembrasse, nunca vos diria. Espera… lembro-me de uma coisa muito estranha.
- O quê? O quê? – perguntou el Cisco ansioso.
- Não sei se posso falar – e Sylvie olhou significativamente para el Panchito.
- Fala. Ele não dá por nada quando está a comer.
- Lembro-me que estive aqui uma vez com a Luzinha. Viemos de bicicleta e ela voltou várias vezes sob o pretexto do «birdwatching».
- Do quê? – admirou-se Flor Vermelha.
- Ver e ouvir as avezinhas, os pássaros… - respondeu el Cisco. – Essa Luzinha é um verdadeiro cromo. E veio aqui várias vezes… Nicha, já sabes o que tens a fazer…
Nesse momento, Juanico, el Panchito pareceu acordar da sua refeição.
- Falavam da minha irmã? Ela passa o dia na praia em Montegordo a apanhar banhos de Sol e mar. Faz uma vida de rica, nada de brincar aos pobrezinhos como aquela da Comporta.
As suspeitas sobre a Luzinha adensam-se. Seria ela a dama do Castelo?



5. A menina que gostava de ver e ouvir o canto das aves

Mas quem era esta Luzinha que aparecia agora como a principal suspeita de apropriação do tesouro escondido no Sazal de Flor Vermelha?
Tratava-se de uma jovem que passava grande parte do ano em Lisboa e vinha passar férias a Ourém relacionando-se ela e o irmão mais novo com um grupo que povoava o café Avenida e fazia imensos bailaricos de sótão.
Mas a pequena adorava a vida de campo, deslocando-se inúmeras vezes para os lados do Vale Travesso, para o que dispunha de uma bicicleta bem possante como pode ser notado numa fotografia da época. Um dia, a Cietezinha convidou-a para um passeio até à zona do Sazal e ela ficou impressionadíssima com a quantidade de aves ali existente e com o seu canto que transformava o silêncio natural do local numa melodia inigualável. Voltou por isso várias vezes.
Como pessoa bem intencionada que era, não estranhou o pedido da Nicha para lhe enviar um postal de Lisboa com algumas palavras e acedeu ao pedido sem a menor desconfiança.
Assim, uma manhã, Flor Vermelha procurou el Cisco e mostrou-lhe o postal que havia chegado.
- Ouve, Estorietas. Parece que tenho aqui qualquer coisa que vai interessar-te.
El Cisco comparou a letra do postal com a letra da mensagem da casa do tesouro e não tardou a afirmar.
- São letras muito semelhantes. Acho que temos de fazer umas perguntas a esta Luzinha. – virou-se para el Panchito. – Juanico, quando é que a tua irmã vem para Ourém?
- Vem passar quinze dias antes de ir para Montegordo. Chega na próxima segunda-feira. Mas que lhe querem? Estou a achar suspeito tanto interesse nela.
- Em breve saberás… Quando ela chegar, diz-lhe que vamos precisar de lhe falar.
- Vejo que esperam por ela para organizar algum bailarico…
- Claro, a Flor Vermelha quer fazer um bailarico no Sazal.
- Com o terreno tão inclinado, não me admira que vão a rebolar por aí abaixo.
Na segunda-feira, foi a vez de a Luzinha ficar ofendida. Virou-se para O Estorietas e afirmou:
- Não esperava isto de ti. Tu que dançaste comigo tanta vez, que tiraste uma fotografia comigo, achas que eu era capaz de ficar com esse dinheiro?
El Cisco mostrou-lhe então o bilhete que estava dentro da mala.
- Vê este bilhete e diz-nos apenas se foi escrito por ti.
Ela ficou abismada.
- Mas como está este papel aqui? Sim, é verdade que fui eu quem o escreveu, mas em condições particulares.
- Mas diz-nos por que o escreveste…
- Alguém me pediu para o fazer…
- Mas quem?
- A Lili, filha da Regina e do Amaral…
- A Lili – repetiu o Estorietas. – Por isso, nunca mais a vimos. Deve ter-se escapulido com o dinheiro e abandonou o nosso grupo…
- Coitada da pequena – redarguiu a Luzinha – Não acredito que se tenha escapulido de Ourém. Ainda há poucos anos o marido foi candidato à Câmara pela CDU.
As orelhas de Juanico, el Panchito ficaram logo no ar.
- Candidato pela CDU, a fazer o jogo dos comunas. Excomungo-a já, por mim fica banida do nosso grupo.
- Não digas isso, Juanico. – afirmou el Cisco - Tens de ser mais tolerante. Os comunas têm tido um papel muito positivo nas autarquias.
- Eu lhes dava as autarquias – respondeu Flor Vermelha – O que eles precisavam era de um Salazar em cima.
- Acalmem-se todos – disse el Cisco. - Temos de saber ser tolerantes. Temos de manter a unidade do nosso grupo. Se não, nunca saberemos o que aconteceu ao tesouro.
- Eu já estou a ver – ripostou el Panchito furibundo – De certeza já entrou nos cofres do partido…
E o terrível cutelo da separação começou a ameaçar a coesão daquele grupo. Nunca mais ninguém conseguiu descobrir onde tinha ido parar o tesouro escondido no Sazal… Todos esperavam encontrar a Lili, mas ela nunca mais apareceu.
El Cisco virou-se então para a Luzinha:
- “Birdwatching”, vê se a descobres… ou o teu nome, o da nobre família Passarinho, ficará para sempre manchado.

6. A figueira mais a Sul

Após uma busca muito ativa, a Luzinha conseguiu descobrir a sua amiga. A Lili compareceu em Ourem e tentou esclarecer tudo: 
- Foi um momento em que a célula do PC em Ourém andava a ser molestada pela PIDE. Um camarada tinha reunido inúmera documentação para distribuir: números de o Avante!, dez exemplares do Manifesto Comunista, obras de Álvaro Cunhal.
Mas a perseguição era atroz, pelo que decidiram esconder a documentação naquele local e, quando sentiram que a terrível polícia tinha abrandado, resolveram desenterrar a documentação e proceder à sua distribuição.
Brincalhona, a Lili resolveu deixar uma mensagem e, como gostava da letra bem desenhada da Luzinha, pedira-lhe para escrever o bilhete. 
Confirmou que a caixa era aquela e o bilhete também.
Mas, de repente, afirmou: 
- Mas, agora me lembro: havia outra figueira mais para Sul, portanto aquela não tinha sido onde os bandidos tinham enterrado o dinheiro…
El Cisco e os seus amigos ficaram espantados. Como não se tinham lembrado daquela possibilidade? No fim de contas a construção do Sazal teve de abater algumas árvores. E agora, como utilizar a informação da Lili?

7. E um tiro abafou el Cisco

Recomeçaram.
Mais para o Sul foram encontrados sinais dos restos de uma figueira e os nossos amigos iniciaram as buscas.
Ao fim de algum tempo, tiveram sucesso e descobriram mais uma caixa enterrada. Aberta a caixa, encontraram nela o equivalente a 10 mil contos.
- Tanto dinheiro – dizia Flor Vermelha. – Deve ter sido produto de vários assaltos. Oh! Por que não fiz esta pesquisa mais cedo? Até arranjava dinheiro para a casa…
Mas el Cisco não estava para brincadeiras e decidiu: 
- Temos de devolver isto.
El Panchito olhou-o interrogativo:
- E que desculpas vais dar para justificar todo este dinheiro? Tornar-te-ás muito suspeito. O melhor era reparti-lo entre nós e fazermos um lauto banquete. Até podias convidar o comandante da GNR e o guarda Ernesto.
- O teu amiguinho que açambarcava os coelhos apreendidos a inocentes vendedores ambulantes… grandes companhias…
Mas, de repente, ouviu-se uma voz:
- Mãos ao ar. Deem-nos essa caixa.
Cisco tentou reagir, tentou sacar a sua arma, mas um tiro do terrível “Bala” acertou-lhe e derrubou-o.
- Mataram el Cisco - gritou el Panchito desesperado.
E enquanto os bandidos fugiam com o dinheiro, precipitou-se sobre o corpo do inseparável amigo de aventuras e auscultou-o:
- Ainda vive. Temos de levá-lo para Ourém para receber assistência.
E chegou o momento de o magnífico enfermeiro Cruz e de o simpático Dr. Nini prestarem cuidados de saúde ao grande el Cisco Kid.

8. Começam as visitas ao doentinho

El Cisco foi operado no Hospital de Santo Agostinho em Ourém e uma bala foi-lhe retirada do ombro não muito longe do coração.
Depois, entenderam que ele estaria melhor numa pensão. A Teresinha ofereceu desde logo os serviços da pensão Simões e el Cisco teve de render-se aos magníficos cozinhados da Dona Estefânia.
El Panchito é que era um problema: os seus almoços duravam mais de duas horas, gerando uma grande pressão no abastecimento e, depois, deitava-se a sonhar com a Teresinha.
A notícia do restabelecimento de el Cisco correu célere e, um dia, um grupo de belas meninas começou a chegar à pensão…
A primeira visita para el Cisco foi a bela Lucy que, um dia, pela manhã, lhe bateu à porta do quarto.
- Quem é?
- Sou eu, a Lucy, soube que estavas doente e vim ver-te.
- Espera que me vista, pois estive a tomar banho.
Lucy decidiu-se a esperar e, pouco depois, apareceu Flor Vermelha.
- Bom dia. É aqui o quarto de Cisco Kid?
- É sim…
- Vim visitá-lo. Você é a enfermeira?
Lucy não podia sentir-se mais ofendida. Ela, a Lucy dos cabelos de ouro, grande amiga de el Cisco, a ser confundida com uma vulgar enfermeira.
- El Cisco! - gritou para o interior do quarto. – Está aqui uma mulher à tua procura. É uma pele vermelha…
Que horror! A grande contestatária Lucy, a doce menina que não se rendeu à perseguição dos homens, a transformar um encontro casual numa manifestação de racismo.
Quase que começaram a bater-se. Mas, entretanto, el Cisco abriu a porta do quarto e acalmou a situação.
- Meninas, não há razão para estarem assim. Eu adoro-vos. Essa não é a forma de me saudarem.
As duas miúdas acalmaram e não tardou cada uma desfechou uma beijoca na face de el Cisco. Não se admiraram, por isso, que outras meninas surgissem para o ver e o desfile continuou com Sylvie, la belle e Bird Watching.
Num instante, todas se puseram de acordo em apoiar el Cisco e ajudá-lo a recuperar o dinheiro que os ladrões tinham roubado.
- Por favor, não se metam – dizia el Cisco. – Isto é assunto para homens. Vocês só podem atrapalhar.
- Não, Cisco – garantiu Lucy. – Ainda estás de braço ao peito. Não estás em condições de disparar. Não vamos permitir que procures os bandidos nessas condições.
- Lucy, eu sei o que faço…

9. Uma visita esclarecedora

Um dia, pela manhã, já Cisco movimentava bem o braço, a Teresinha anunciou uma nova visita a el Cisco:
- Está ali o Mário, filho do Zé da vaca, que quer falar consigo. Diz que tem informações importantes.
- O Mário… é meu amigo desde pequeno. Ele que entre…
Pouco depois, o Mário estava junto de el Cisco. A Teresinha ficou com curiosidade de saber o que iam dizer pelo que ficou a escutar junto à porta do quarto.
- Olá, grande Mário. Então como passas?
- Eu estou bem, el Cisco. Vim cá porque tenho algumas informações que podem ser importantes.
- Então diz lá…
- Sou frequentador do café Ourém e, ultimamente, tem aparecido por lá um conjunto de desconhecidos um dos quais é conhecido por “Bala” que gastam dinheiro à grande e inclusivamente se gabam de ter ferido o grande el Cisco.
- Devem ser os que me atacaram e fugiram com o dinheiro.
- Eles têm um informador cá na terra e estão a planear novo assalto.
El Cisco ficou agitado.
- Novo assalto? Pensei que eles fugissem contentes com o produto do roubo.
- Eles têm um informador sobre alguns dos negócios mais prósperos de Ourém. E ele já identificou a ourivesaria da Hellen Near the Water como um local a ter em conta para qualquer ação.
- Mário, tens de avisar a polícia…
- Já o fiz e não me ligaram nenhuma. Dizem que só podem actuar depois de eles fazerem alguma patifaria, mas assim duvido que evitem alguma coisa.
- E quem é esse informador?
- O Zé das Tachas. Fartou-se de arranjar sapatos e agora quer enriquecer à força.
- O Zé das Tachas. Até já se fingiu comuna. Confesso que prefiro os que me afrontam, me combatem, me acusam de só dizer disparates e até cortam comigo do que os bufos e os traidores. Ora aí está um bom candidato a ser emplumado pelos prejuízos que tem provocado ao povo de Ourém. Mário, tens de apurar para quando preparam o assalto à ourivesaria.
A Teresinha estava assustadíssima a ouvir aquela conversa. E agora que poderia fazer? Deveria avisar a Leninha ou confiar na capacidade de el Cisco para resolver a situação? Não dormiu, mas no dia seguinte, tinha tomado uma decisão. A sua amiga tinha de ser avisada, mesmo que ficasse em pânico, para não ser apanhada desprevenida.


10. Pânico na ourivesaria

Pela manhã, a Teresinha saiu sorrateiramente da pensão e dirigiu-se a casa da Leninha mais conhecida por Hellen Near the Water. Esta gostou de ver a amiga, mas, em breve, notou que o motivo da visita não era para matar saudades.
- Leninha, prepara-se algo de terrível à tua ourivesaria. Consta que um grupo de bandidos, chefiados pelo terrível Bala que disparou sobre el Cisco se prepara para assaltar a tua ourivesaria.
- Que horror! Como soubeste isso?
- Foi o Mário que informou el Cisco, depois de ter ouvido uma conversa no Café Ourém.
- Mas que hei de fazer agora?
- Não sei. Julgo que el Cisco fará tudo para te ajudar, mas ele ainda tem o braço tão preso. Era bom conseguirmos preparar uma armadilha para os bandidos…
- Como? Como? Como? Estou a entrar em pânico.
- Sabes? O el Cisco tem quatro amigas que talvez nos possam ajudar. Vou contar-lhes também e talvez consigamos que os planos do Bala sejam gorados.
Hellen Near the Water ficou em pânico. Pensou em fechar a ourivesaria e partir para longe, mas desistiu da ideia.
«Que falta de coragem! Nem pensar em fugir… sabemos os planos deles, deve haver uma forma de resistir».
Na sua mente, estavam aquelas palavras maravilhosas: «Resistir é vencer!».

11. Mulheres que conspiram

Dois dias depois, el Cisco recebeu nova visita do Mário.
- Então, tens novidades?
- O assalto será amanhã, ao fim do dia, em cima da hora de fechar. O próprio Bala liderará o golpe e irão dois bandidos com ele. Os outros ficarão a fazer uma manobra de diversão junto à alfaiataria do Zé Penso. Acho que vão dar uns tiros para o ar para chamar a atenção e desviar as pessoas da proximidade da ourivesaria.
- Cambada de estúpidos! Não percebem que assim ainda chamam mais a atenção. E o Zé das Tachas?
- Vai colaborar. Acho que querem roupas novas e assaltam a alfaiataria. Ele entra à frente para que o alfaiate não desconfie de nada.
- Que crápula! Merece um castigo exemplar. Bom, Mário, continua a informar-me do que souberes.
Atrás da porta, a Teresinha decidiu imediatamente o que fazer:
«Vou falar com elas. El Cisco pode não estar em condições de enfrentar o Bala e el Panchito só pensa em comer e dormir…».
Pouco depois, no Café Avenida, as quatro amigas de el Cisco conspiravam perante as informações da Teresinha. Lucy estava desesperada.
- Não podemos admitir que el Cisco defronte o Bala. Ele não consegue mexer o braço devidamente.
- Temos de ser nós a tomar a iniciativa – respondeu Flor Vermelha. – Posso mobilizar metade da minha tribo para dar cabo deles…
- Não – respondeu Birdwatching. – Não podemos mobilizar índios para Ourém. Podia ser mal interpretado e virar-se contra vós. Temos de arranjar uma estratégia contra eles, nós próprias…
- Podemos invadir a ourivesaria e não sair de lá até à hora de fecho – disse Sylvie, la belle – Eu usarei dos meus encantos para os seduzir…
- E eu farei com que o Cisco não venha para aqui – concluiu Lucy.
- Mas que vais fazer? – perguntou Flor Vermelha.
- Tenho cá os meus planos. Por alguma razão, quando era jovenzinha, fiz um estágio de enfermagem.
Pouco depois, Lucy estava perante o Dr. Nini.
- Bom dia, Dr. Nini. Sabe? El Cisco está muito agitado, não consegue dormir. Precisava que me receitasse um sedativo para ele dormir umas boas horas e ficar bem confortado.
E o médico, confiante, passou rapidamente uma receita para Lucy aviar sem se aperceber que estava a colaborar num plano para afastar el Cisco do campo de batalha

12. El Panchito procura ajuda entre amigos

Juanico, el Panchito também não estava confiante na capacidade de el Cisco para enfrentar o Bala e restante quadrilha. Assim, procurou o guarda Ernesto e o comandante do posto, pondo-os ao corrente do que esperava que se passasse.
- É evidente – disse o comandante – que não podemos fazer nada sem eles terem cometido qualquer crime. Mas poderemos estar atentos e manter uma força secretamente perto do local à espera do que aconteça…
Juanico, el Panchito ficou mais tranquilo e voltou à pensão. No caminho, encontrou a Gracelinda e o cãozinho Pepe. Lembrou-se imediatamente do modo como este cãozinho tinha roubado a chave da prisão e resolveu confiar à Gracelinda as suas preocupações. No final, esta respondeu.
- Não tenho a menor dúvida de que é uma missão para o Pepe. Ele fará o que for necessário e, de certeza, esses bandidos serão presos. Vou também arranjar umas penas de galinha e pato lá no talho e havemos de emplumar esse malvado Zé das Tachas. Que traidor!
O dispositivo de defesa em relação à ourivesaria começava a ser montado. Mas será que recursos organizados tão anarquicamente irão ter um bom resultado? E alguém se preparava para adormecer el Cisco…

13. A “traição” de Lucy

No dia seguinte, parecia que as horas não passavam. A ansiedade era de tal ordem que ninguém estava tranquilo, excepto Panchito que, depois de suculenta refeição, ressonava como um porco sem saber o que alguém preparava para o seu amigo.
El Cisco verificou as suas armas e preparou-se para uma tarde de espera. A certa altura, alguém bateu à porta do quarto.
- Cisco, sou eu, a Lucy…
Ele abriu a porta e viu que ela trazia um copo de água.
- Estive a falar com o Dr. Nini. Ele disse para eu te dar este anti-inflamatório, ficarás com os movimentos mais livres se tiveres de disparar.
- É muito atencioso esse médico.
El Cisco bebeu o medicamento e sentou-se. Daí a pouco começou a sentir sono.
- É estranho. Apetece-me dormir…
- Deita-te um bocadinho. Far-te-á bem para estares em forma e ainda terás de esperar umas horas.
El Cisco seguiu o conselho e, pouco depois, estava a dormir. 
«Pronto, fiz o que tinha a fazer. El Cisco está protegido… posso ir embora» - pensou Lucy.
Foi ter com as amigas ao ponto de encontro. Mas a Teresinha, mais uma vez escondida atrás da porta do quarto de el Cisco, achou estranho o seu comportamento.
«Que terá a Lucy vindo aqui fazer?».
E mais estranhou quando reparou que, ao contrário do que era seu costume, el Cisco dormia profundamente. Decidiu, por isso, permanecer bem atenta ao desenrolar dos acontecimentos…

14. Quatro miúdas na ourivesaria

Pelas seis da tarde, Lucy, Flor Vermelha, Sylvie, la belle e Birdwatching decidiram dirigir-se à ourivesaria de Hellen Near the Water. Esta parecia aterrorizada, mas o ar descontraído das amigas em breve lhe mudou a disposição.
- Convosco, sinto-me mais descontraída.
- Vais ver que não se atrevem a fazer-nos nada de mal. Quem quererá atacar quatro miúdas tão giras?
A conversa entre elas foi prosseguindo. A certa altura, viram que um grupo de quatro homens se aproximava da ourivesaria.
- Parece-me que vêm aí…
Um deles, o que parecia ter o ar de chefe, parou junto à porta e parecia esperar qualquer coisa…
De súbito, ouviu-se o ruído de tiros junto à Igreja. Sylvie veio até à porta e olhou para Bala.
- Há um tiroteio por aí. Estou cheia de medo…
O homem contemplou a beldade e respondeu.
- Seria melhor as meninas irem-se embora. Deve haver bandidos a fazer alguma partida em Ourém.
- Nem pense que vou sair daqui com este tiroteio. O senhor e os seus amigos podiam proteger-nos… Não gostam da nossa companhia?
Sylvie estava belíssima, mas o terrível Bala não se deixou convencer.
- Têm de sair daqui. A situação pode tornar-se muito perigosa para as meninas.
- Não, eu confio na vossa proteção.
O Bala estava impaciente. Junto à alfaiataria, a situação parecia algo confusa, aliás via-se uma nuvem de fumo e pessoas a correr de um lado para o outro. Um grupo de indivíduos com pistolas na mão transportava um conjunto de fatos já concluídos. O guarda Ernesto e o comandante corriam para lá abandonando o seu posto de observação
- Rapazes, estas meninas estão a perturbar o nosso trabalho. Atem cada uma delas a um dos postes de eletricidade para podermos atuar à vontade.
A ordem foi imediatamente cumprida. No final, o Bala voltou-se para Hellen Near the Water e afirmou:
- Vamos então tratar do nosso assunto.
Mas, repentinamente, viu algo que o perturbou. Um pouco mais acima, junto à Igreja, a figura de el Cisco, acompanhado de Juanico, el Panchito, destacava-se e parecia dirigir-se para o local onde estava. Que iria passar-se? Por que estava ali?

15. Um despertar forçado

Por volta das cinco da tarde, Juanico, el Panchito acordou e foi ver el Cisco.
«Que estranho! Não para de dormir… que se passará?».
A Teresinha chegou junto dele e informou-o:
- Esteve cá a Lucy, deu-lhe qualquer coisa e ele não parou de dormir desde então.
- A Lucy fez isso? Mas porquê?
- Acho que o quer proteger. Assim, evita que ele enfrente o Bala.
- É louca essa rapariga. Só pensa em aventuras e passa a vida a fazer disparates. O melhor é chamarmos o médico. Pode ser que ele consiga acordar el Cisco.
Pouco depois, o Dr. Nini estava à cabeceira do nosso herói e apercebeu-se imediatamente do que se tinha passado.
- Felizmente, lembro-me do que lhe receitei. Vou-lhe dar um antídoto.
El Cisco não tardou a acordar depois de mais uma mistela que o médico lhe deu. Levou a mão à cabeça.
- Que me aconteceu? Estou um pouco tonto…
- A Lucy deu-te um sedativo para não poderes enfrentar o Bala. Queria proteger-te, pois entendeu que não estavas em condições…
- E agora estou bem pior. Vamos, Juanico…
Levantou-se, afivelou o cinturão com as armas e, pouco depois, estava a caminho da ourivesaria acompanhado por el Panchito. À sua passagem, as pessoas murmuravam, sentindo que algo se ia passar. Junto ao hospital, ouviram todo o ruído e confusão que havia junto à alfaiataria. 
- É uma manobra de diversão – afirmou el Cisco. – Passemos sem lhe dar atenção.
Pouco depois, passavam junto à taberna do Manel do Raul e iniciavam a descida para a ourivesaria. Deparou-se-lhes então um espetáculo inesperado: as quatro miúdas estavam atadas a candeeiros e os bandidos acercavam-se da ourivesaria. E foi então que o Bala o viu…
El Cisco começou a descer lentamente a rua, a mão muito perto da coronha do Colt. Os olhos de Lucy brilharam.
«Ele vem aí… Apesar do que lhe fiz, vem aí para me salvar… meu pobre Cisco».
- Panchito, encarrega-te dos da direita. Percebido?
- Claro…
O duelo estava iminente. Dois homens, um dos quais ferido, iam enfrentar quatro bandidos da pior espécie. Mais uns passos e estavam junto à tipografia Godinho. Friamente, el Cisco enfrentou os bandidos.
- Bala, o melhor é ires embora desta terra, senão vou prender-te pelos crimes que tens cometido.
Mas o bandido estava confiante.
- Já te atingi uma vez e desta vez dou-te o golpe fatal.
Sacaram as armas. Juanico, el Panchito cumpriu a sua missão e abateu os dois bandidos da direita. El Cisco abateu um terceiro bandido, mas, quando virou a arma para o Bala, sentiu que o braço lhe falhava. Ele ainda não estava em condições para lutar.
O bandido levantou lentamente a arma preparando-se para dar o golpe fatal a el Cisco. E foi então que algo de inesperado aconteceu. Partindo de junto do velho mercado do peixe de Ourém, obedecendo à voz da sua dona, um canino escuro, com ar de maluco e olhos brilhantes correu, mais rápido que a própria sombra, na direção do bandido. Atirou-se-lhe à mão e desarmou-o com uma dentada. El Panchito correu para o local e apontou-lhe a arma. El Cisco chegou pouco depois:
- Magnífico cãozinho! Bala, grande bandido, prepara-te que vais passar uns anitos na prisão.
- Maldito! Se não fosse esse cão…
Pouco depois, o Bala era levado para a prisão pelo guarda Ernesto enquanto o cãozinho Pepe era aplaudido e confortado por todos os presentes. E foi então que Cisco viu as quatro miúdas presas aos postes de eletricidade. Lucy sentiu-se tremer quando ele a olhou…

16. Mulheres protetoras são um perigo

El Cisco aproximou-se lentamente dos candeeiros e foi libertando e agradecendo a cada uma das meninas. Ao passar junto a Lucy nem a olhou e a pequena sentiu os olhos marejados de lágrimas.
- Cisco, não me libertas?
Ele olhou-a com ar desconfiado.
- Como posso deixar em liberdade uma mulher que me fez o que tu fizeste? Não, vais ficar aí, presa para sempre, à espera que os abutres te devorem…
Ela desesperou:
- Cisco, não me faças isso…
Flor Vermelha resolveu defender a nova amiga:
- Ela fez aquilo para te salvar…
- Como?
- Não percebes? Julgávamos que estavas com os movimentos tolhidos, que não poderias defrontar os bandidos, ela resolveu imobilizar-te para não correres perigo.
Lucy chorava, continuando presa ao poste de eletricidade.
El Cisco olhou-a e teve pena dela. No fundo, tinha querido ajudá-lo e ele estava a castigá-la. Compreendeu que não podia continuar a ser cruel.
- Eu entendo… eu entendo…
E libertou Lucy deixando-lhe um beijinho na testa. Ela desatou a chorar ainda mais, mas os seus olhos agora mantinham o fulgor da esperança.

17. Ajuste de contas com um traidor

Foram na direção da alfaiataria do Zé Penso. A situação parecia dominada pela GNR, os bandidos tinham sido apanhados e os fatos devolvidos ao simpático artesão. Este assomou à janela e agradeceu a el Cisco e seus amigos.
- O prejuízo que esses animais me iam provocando. Mas, à próxima, espero-os com o meu ferro cheio de brasas…
E exibiu um pesadíssimo ferro com que passava as roupas.
- Parece que está tudo terminado – dizia el Panchito.
- Não – respondeu el Cisco. – Falta tratarmos do traidor Zé das Tachas.
- A Gracelinda tem ali uma prenda para ele…
E, de um momento para o outro, uma caixa enorme cheia de penas surgiu. Flor Vermelha foi comprar um bidão de alcatrão à loja do sr. Oliveira e dirigiram-se todos para o café Ourém. Dois voluntários levaram o bidão sobre uma carroça que eles próprios iam puxando.
Lá dentro, o traidor sentiu-se estremecer ao ver a sua aproximação.
- Vais ser castigado, malvado – disse el Cisco. – E nunca mais te libertarás da lembrança que te vamos deixar. Despe-te, fica apenas em cuecas…
E começou o tratamento do traidor. Com o alcatrão barraram-lhe o corpo, depois, uma a uma, foram-lhe colocando as penas em cima criando uma bela imagem de galinácio.
- É isto o que se faz aos traidores – disse el Cisco no fim. – Vamos, vai-te desta terra e não voltes. Mas antes estes dois nossos amigos vão exibir-te pela terra em cima de um tronco para todos os potenciais traidores verem o destino que os espera.
E o malvado Zé das Tachas foi objeto de escárnio por parte da população e fugiu de Ourém exibindo as plumas da sua traição.
El Cisco e Juanito, el Panchito partiram para novas aventuras. Lucy voltou à sua mansão ansiando pelo seu regresso, mas sempre a pensar se algum dia seria perdoada. Birdwatching voltou aos seus banhos de Sol e mar. Sylvie la belle acompanhou a irmã para a reconfortar. E Flor Vermelha continuou no Sazal agora numa busca contínua e infrutífera de novos tesouros…

FIM








Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...