A passagem por Mafra acabou por ser exemplar. O alferes encarregue de conduzir a recruta, de nome Guimarães, era uma excelente pessoa que em todos procurava motivos para ajudar na avaliação. Isso não acontecia noutros pelotões onde a "besta da anedota" acabava por aparecer.
O despertar em geral era agradável e as manhãs na parada com algum nevoeiro e o frio de Outubro, de G3 às costas, até eram engraçadas. Sentia-me um pouco ridículo a marcar passo e na marcha, mas o ambiente do pelotão era saudável.
Politicamente, tive conversas apenas com dois ou três recrutas já que ainda desconfiávamos uns dos outros. Um dos colegas de pelotão era o Amorim, um trotsquista que, um dia, em café, pronunciou severas críticas à atuação de Salvador Allende no Chile, na altura já debaixo da ditadura de Pinochet. Noutro pelotão, estava o António Reis já muito conotado com a oposição democrática e que andava sempre debaixo de olho. Tinha um ar triste de mártir… E havia ainda malta amiga de Económicas…
Por vezes, o aspirante Guimarães levava-nos pelos campos de Mafra em caminhada ou em suave corrida que terminava algum tempo depois junto a umas sebes. E então apareciam…
Os abutres estavam por trás do muro oferecendo o que tinham para vender numa ânsia que lhes arregalava os olhos, não os deixando pensar em porque estariam ali onde seres esfomeados e necessitados de humanidade procuravam pão e algo como o leite materno para se alimentarem e continuarem numa senda repetitiva que os faria voltar já que o negocio era fabuloso.
Eles teriam assim forma de encontrar na cidade os géneros que necessitavam para a sua auto-subsistência muito embora maldissessem os impostos que pagavam, percebendo que eram para obras coletivas e não das prontas só para eles. Eles, seres cujos filhos também iam a escolas talvez de má vontade, ansiando pela liberdade e desdenhando o tornarem-se úteis e servirem um povo sofredor e amante do trabalho produtivo.
Eram dez minutos e o seu decorrer cheio de palavrões e boca cheia saltitando de vala em vala, do muro para ali e dali para o muro onde estavam os pães, as bebidas e tudo o mais que o esfomeado consumiria pensando estar a fazer algo pelo seu corpo para desenvolver uma formidável musculatura enquanto os olhos arregalados e as vozes livres os procuravam numa confluência de fins que se materializava no exposto.
O dinheiro brilhou e à falta de trocos uma carteira de fósforos serviu para aumentar o negócio.
O abutre tinha na realidade algo de estranho, mas, à noite, um dia que fomos submetidos a fogo simulado para nos habituar ao teatro de guerra, estava completamente esquecido.
Depois, a semana de campo conseguiu ser agradável. Começou com uma caminhada pela parada, uma refeição improvisada com a comidinha em grandes caldeirões e montagem de tendas de campanha. Um acordar harmonioso e bem cheiroso…
Sem chuva, foram três meses exemplares de boa preparação para o físico.
O despertar em geral era agradável e as manhãs na parada com algum nevoeiro e o frio de Outubro, de G3 às costas, até eram engraçadas. Sentia-me um pouco ridículo a marcar passo e na marcha, mas o ambiente do pelotão era saudável.
Politicamente, tive conversas apenas com dois ou três recrutas já que ainda desconfiávamos uns dos outros. Um dos colegas de pelotão era o Amorim, um trotsquista que, um dia, em café, pronunciou severas críticas à atuação de Salvador Allende no Chile, na altura já debaixo da ditadura de Pinochet. Noutro pelotão, estava o António Reis já muito conotado com a oposição democrática e que andava sempre debaixo de olho. Tinha um ar triste de mártir… E havia ainda malta amiga de Económicas…
Por vezes, o aspirante Guimarães levava-nos pelos campos de Mafra em caminhada ou em suave corrida que terminava algum tempo depois junto a umas sebes. E então apareciam…
Os abutres estavam por trás do muro oferecendo o que tinham para vender numa ânsia que lhes arregalava os olhos, não os deixando pensar em porque estariam ali onde seres esfomeados e necessitados de humanidade procuravam pão e algo como o leite materno para se alimentarem e continuarem numa senda repetitiva que os faria voltar já que o negocio era fabuloso.
Eles teriam assim forma de encontrar na cidade os géneros que necessitavam para a sua auto-subsistência muito embora maldissessem os impostos que pagavam, percebendo que eram para obras coletivas e não das prontas só para eles. Eles, seres cujos filhos também iam a escolas talvez de má vontade, ansiando pela liberdade e desdenhando o tornarem-se úteis e servirem um povo sofredor e amante do trabalho produtivo.
Eram dez minutos e o seu decorrer cheio de palavrões e boca cheia saltitando de vala em vala, do muro para ali e dali para o muro onde estavam os pães, as bebidas e tudo o mais que o esfomeado consumiria pensando estar a fazer algo pelo seu corpo para desenvolver uma formidável musculatura enquanto os olhos arregalados e as vozes livres os procuravam numa confluência de fins que se materializava no exposto.
O dinheiro brilhou e à falta de trocos uma carteira de fósforos serviu para aumentar o negócio.
O abutre tinha na realidade algo de estranho, mas, à noite, um dia que fomos submetidos a fogo simulado para nos habituar ao teatro de guerra, estava completamente esquecido.
Depois, a semana de campo conseguiu ser agradável. Começou com uma caminhada pela parada, uma refeição improvisada com a comidinha em grandes caldeirões e montagem de tendas de campanha. Um acordar harmonioso e bem cheiroso…
Sem chuva, foram três meses exemplares de boa preparação para o físico.
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