quarta-feira, agosto 24, 2005

O dedo na ferida
Por Marco Jacinto

No passado, o Homem fez uso do fogo para modelar a paisagem, desflorestando bosques com fins agrícolas, criação e manutenção de pastagens, práticas cinegéticas e usos bélicos.
O abuso deste factor originou grandes perdas de solo e de recursos florestais (Tomaselli, 1977), o que levou a considerar o fogo como um factor negativo que devia ser evitado a todo o custo.
Estas modelações da paisagem Mediterrânica favoreceram a multiplicação de espécies resistentes/adaptadas ao fogo.
No nosso país, que durante muitos séculos manteve práticas do tipo agro-florestal, em que as zonas de floresta se entrecortavam com terrenos agrícolas, e a produtividade da floresta não estava confinada à extracção de essências florestais, mas a todo um conjunto de actividades mais ou menos interligadas, como o pastoreio, a remoção de matos para maior conforto dos animais nos currais, e que por sua vez resultava na compostagem desses matos utilizados posteriormente na fertilização dos solos agrícolas.
Nas últimas décadas assistiram impassíveis os sucessivos governos à destruição deste modelo socio-económico com a assinatura de uma Política Agrícola Comum (P.A.C.) que serve apenas os grandes interesses económicos, tornando certas práticas incomportáveis para os pequenos produtores.
Nas zonas mais interiores a desertificação acentuou e com ela o abandono das propriedades, com menos pessoas maior a interioridade pois o desinvestimento nessas zonas aumentou na mesma e irresponsável proporção.
Enquanto isso nas zonas mais densamente povoadas a construção irracional e especulativa prolifera desordenadamente, na floresta mandam os grandes interesses económicos e não as leis naturais da produtividade vegetal, que tão úteis podem ser mesmo que não as conheçamos na totalidade e aplicando-as só parcialmente.
A tudo isto tão falado e propalado juntam-se as alterações climatéricas que de conversa de ecologista passaram a afectar o dia a dia do mundo ocidental habituado apenas a conviver com misérias distantes, e displicentes em relação a um futuro que só a ignorância atirava para longe.
Temperaturas elevadas, grandes quantidades de biomassa compostas na maioria das vezes por espécies arbustivas altamente inflamáveis e cobertos arbóreos monoespecíficos de resinosas e eucaliptos os quais como se sabe vem de ecossistemas altamente relacionados/adaptados com o fogo, as enormes áreas, com as características atrás referidas, e a sua distribuição criam grandes Padrões de ignição, juntando a tudo isto a topografia mais ou menos montanhosa do nosso país, a seca que assola há mais de um ano, e os ventos que inevitavelmente se criam quando todas estas condições se aplicam a um incêndio são ingredientes sobejamente conhecidos de quem há muito despertou para estas questões.
Não se entende pois como “políticos”, e as populações que sucessivamente os têm eleito, vêm agora com execráveis acusações sobre os bombeiros, cujos o fogo já levou dez vidas, centenas de entre eles combatem voluntariamente com inerentes prejuízos profissionais e familiares e de forma abnegada são dedicados no que se refere aos incêndios a uma luta contra irresponsabilidades que tem responsáveis.
Os bombeiros têm enfrentado cada vez maiores dificuldades no combate aos incêndios, mas as culpas que sobre eles recaem são fruto da desresponsabilização política que tem minado importantes sectores da nossa jovem democracia, as culpas sobre os bombeiros são apenas consequência da ausência de verdadeiras políticas que combatam/minorem este problema, e nestas horas de aflição políticos medíocres alimentam-se na aflição das populações e alimentando a ignorância transferem para esses valorosos soldados da paz as causas da calamidade que ano após ano se abate sobre nós, os bombeiros no geral e os comandos no terreno em particular são assistidos pelo direito a falhar como todo o comum mortal, falhas que certamente contribuirão para melhorar a sua acção no futuro. As críticas que se têm ouvido envergonham qualquer pessoa com o mínimo de discernimento, a CDU está solidária com os Bombeiros Portugueses. E se a luta dos bombeiros é contra as consequências da ausência de verdadeiras políticas para este país, a nossa é directamente contra as causas que as originam.

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