quinta-feira, abril 23, 2020

As carroças do amor

A Mari’mília e a mãe preparavam o regresso a casa e esta decidiu voltar na camioneta dos Claras.
- Olha, eu vou à frente para preparar o almoço. Chego lá muito antes da carroça.
A Mari’mília entregou-lhe o produto da venda e respondeu:
- Está aqui o dinheiro dos limões. Eu vou buscar o Estorietas que vai ver os tios.
- Tem cuidado com esse malandro. Ele olha-te de uma maneira esquisita.
Ela riu-se.
Foi para o quintal da Dona Aurora e, pouco depois, tinha a burra aparelhada à carroça. O Estorietas chegou e tomou o lugar ao lado dela.
Desceram a rua da Olaria, entraram na Avenida e viraram na direção de Tomar. A burra trotava a um ritmo suave.
- Gostas de vir na carroça a Ourém? – perguntou o Estorietas.
- Enquanto não tiver melhor meio… ao menos respiramos ar puro e não ar poluído pela combustão de gasolina… e posso desfrutar da tua companhia.
- Sem dúvida, uma companhia muito agradável e motivadora. Olha e para onde vais quando terminares o quinto ano?
- Vou para o Magistério em Leiria. Quero ser professora…
- Gostas de miudagem? Eu… nem vê-los. Não me imagino a aturar cachopos mal educados.
- Então, para onde vais depois?
- Devo ir também para Leiria, para o Liceu, possível para a área de Economia e Finanças.
- O curso do nosso Presidente do Conselho…
- É o que me dizem… outros gozam afirmando que vou para ciências alcoólicas e bagaceiras.
- Então, se vais para Leiria, poderemos encontrar-nos algumas vezes.
E a conversa prosseguiu acerca dos projetos daqueles dois miúdos.
Já estavam a chegar ao Lagarinho quando viram vir em sentido contrário outra carroça puxada por um burro e sentiram a burra um pouco nervosa.
- Lá vem o burro do ti’ Guilherme. É o namorado aqui da Dulcineia…
- Não me digas que se conhecem…
- Passam o fim de tarde juntos. Antes de ontem, ela deitou-me no chão para ir para o pé dele.
O certo é que naquele momento, o burro zurrou fortemente e a Dulcineia virou na direção dele. As carroças atreladas não os deixavam mexer-se à vontade pelo que ficaram atravessados na estrada a ocupá-la no sentido da largura. Os condutores bem faziam esforços para os fazer seguir para o seu destino, mas o parzinho de burros não obedecia. Davam beijinhos, encostavam a cara, uma doçura…
A Mari’mília contemplava aquilo embevecida. O Estorietas começou a lembrar-se que tinha uma bela miúda a seu lado.
- Eles é que nos ensinam. Aquilo é amor verdadeiro…
- Quem me dera ter alguém que gostasse assim de mim.
Ele decidiu avançar.
- Quando te vejo, o meu coração…
Mas aquele momento maravilhoso foi destruído por uma formidável buzinadela. Um brutamontes, dentro de uma camioneta, fazia gestos e praguejava.
- Tirem-me essa porcaria da frente ou passo-lhe por cima.
Os condutores das carroças bem faziam todos os esforços para separar os burros, mas estes, dignos exemplares da espécie, eram bem teimosos. As duas filas de carros e camionetas continuavam a crescer sem que se conseguisse uma solução para o caso. Todos buzinavam e praguejavam…


E agora? Que vai acontecer? O brutamontes concretizará a sua ameaça?

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