O rio corria fundo, com a transparência antiga das coisas que não mentem.
Na outra margem, um bando de pequenos jacarés inquietava-se,
filhos da aventura antes do tempo.
Queriam atravessar. Queriam o mundo.
E foi então que a raposa vermelha apareceu, silenciosa,
como quem sabe o ofício de viver.
Olharam-na com ousadia.
Pediram-lhe passagem, sem cerimónias nem temor.
A raposa, que conhecia as sombras da mata e o coração das mães,
percebeu logo que não havia ali malícia,
apenas o ímpeto natural de crescer.
Sem alarde, ofereceu o lombo.
Fez-se barca.
Deixou que seis destinos miúdos se ajeitassem nas suas costas.
E lançou-se ao rio, remando com as patas
como quem abre caminho no próprio fado.
A corrente levou-os, mansa,
e nenhum perigo se levantou contra aquela estranha confraria.
Na outra margem, a raposa inclinou-se,
e os pequenos saltaram para a terra firme
com a gratidão muda dos bichos que entendem a dádiva.
Missão cumprida.
A raposa seguiu adiante,
sem pedir louvores,
porque, na natureza,
ser justo basta.

Sem comentários:
Enviar um comentário