Dizem os mais antigos que, muito antes de as pedras do
castelo se tornarem ruínas e de os moinhos pararem de rodar ao vento, a Colina
de Ourém era vigiada por um homem solitário e por um companheiro que não
era menos do que a alma selvagem da própria serra: o Lobo Velho.
Nessa altura, os moinhos cantavam noite e dia, movidos por
ventos caprichosos que vinham do vale. O barulho das pás misturava-se com o som
dos pinhais, criando um hino estranho, como se a colina respirasse vida
própria.
Conta-se que Jonas Rocha — ninguém sabia donde viera — subiu
a colina num inverno em que a neve caía mais branca do que pão de missa. Trouxe
consigo pouca coisa: uma espingarda, um casaco gasto e um olhar de homem que já
vira demasiado. Mas trouxe também algo que ninguém viu logo: o peso de uma
promessa feita a um lobo ferido.
O Lobo Velho, diziam, não era apenas animal. Era espírito
guardião. Quem se perdia na noite encontrava-o às vezes, a caminhar entre as
sombras, olhos a brilhar como carvões acesos. E quem o via saía ileso, desde
que trouxesse o coração limpo.
E assim se mantiveram, homem e lobo, guardando os moinhos,
afastando ladrões que tentavam roubar o trigo, ajudando viajantes perdidos, e
enfrentando tempestades que faziam as pás dos moinhos rodarem como gigantes
enlouquecidos.
Mas um dia chegaram homens maus à colina. Gente que não
respeitava nada nem ninguém. Reza a lenda que foi nessa noite que o Lobo Velho
caiu, defendendo o seu companheiro como se defendesse a própria terra.
Depois disso, o homem ficou sozinho. Cuidou do túmulo do seu
amigo junto ao moinho mais antigo, aquele que hoje só tem a base em pedra. E
quando terminou a sua vigília, desceu a colina e nunca mais foi visto.
Mas a lenda não acaba aí.
Dizem que, em certas noites de vento forte, quando as
nuvens cobrem a lua, ainda se ouve o rodar das pás dos moinhos antigos, mesmo
que já nada haja para rodar.
Alguns afirmam ter visto uma sombra grande passar entre as
árvores. Outros dizem ter ouvido um uivo profundo, que não é de cão nem de lobo
moderno. Um uivo antigo, cheio de saudade.
Os habitantes de Ourém chamam-lhe hoje:
A Lenda do Guardião dos Moinhos.
E todos sabem que a colina, embora silenciosa, nunca está
verdadeiramente sozinha.

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