terça-feira, dezembro 09, 2025

A Lenda do Guardião dos Moinhos de Ourém

 

Dizem os mais antigos que, muito antes de as pedras do castelo se tornarem ruínas e de os moinhos pararem de rodar ao vento, a Colina de Ourém era vigiada por um homem solitário e por um companheiro que não era menos do que a alma selvagem da própria serra: o Lobo Velho.

Nessa altura, os moinhos cantavam noite e dia, movidos por ventos caprichosos que vinham do vale. O barulho das pás misturava-se com o som dos pinhais, criando um hino estranho, como se a colina respirasse vida própria.

Conta-se que Jonas Rocha — ninguém sabia donde viera — subiu a colina num inverno em que a neve caía mais branca do que pão de missa. Trouxe consigo pouca coisa: uma espingarda, um casaco gasto e um olhar de homem que já vira demasiado. Mas trouxe também algo que ninguém viu logo: o peso de uma promessa feita a um lobo ferido.

O Lobo Velho, diziam, não era apenas animal. Era espírito guardião. Quem se perdia na noite encontrava-o às vezes, a caminhar entre as sombras, olhos a brilhar como carvões acesos. E quem o via saía ileso, desde que trouxesse o coração limpo.

E assim se mantiveram, homem e lobo, guardando os moinhos, afastando ladrões que tentavam roubar o trigo, ajudando viajantes perdidos, e enfrentando tempestades que faziam as pás dos moinhos rodarem como gigantes enlouquecidos.

Mas um dia chegaram homens maus à colina. Gente que não respeitava nada nem ninguém. Reza a lenda que foi nessa noite que o Lobo Velho caiu, defendendo o seu companheiro como se defendesse a própria terra.

Jonas vingou o lobo, dizem, e a colina tremeu de tal maneira que uma pedra gigante rolou sozinha, esmagando os intrusos. Os velhos costumam acrescentar:
— Foi a colina que decidiu. Jonas só segurou o destino.

Depois disso, o homem ficou sozinho. Cuidou do túmulo do seu amigo junto ao moinho mais antigo, aquele que hoje só tem a base em pedra. E quando terminou a sua vigília, desceu a colina e nunca mais foi visto.

Mas a lenda não acaba aí.

Dizem que, em certas noites de vento forte, quando as nuvens cobrem a lua, ainda se ouve o rodar das pás dos moinhos antigos, mesmo que já nada haja para rodar.

E quem caminha pela colina jura ouvir dois passos:
um passo de homem…
e outro, leve e firme, de animal.

Alguns afirmam ter visto uma sombra grande passar entre as árvores. Outros dizem ter ouvido um uivo profundo, que não é de cão nem de lobo moderno. Um uivo antigo, cheio de saudade.

Os habitantes de Ourém chamam-lhe hoje:

A Lenda do Guardião dos Moinhos.

E todos sabem que a colina, embora silenciosa, nunca está verdadeiramente sozinha.


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