sábado, dezembro 20, 2025

Neve na fronteira

A neve começara a cair antes do previsto, cobrindo a pradaria de um branco traiçoeiro. O vento empurrava a neblina como se quisesse apagar o mundo, e a criança, um rapaz de uns dez anos, habituado mais à dureza do que à ternura, caminhava com passos firmes, apesar do frio que lhe mordia os ossos.

O rancho ficava longe. Mais longe do que deveria estar, agora que a tempestade apertava.Mas ele tinha saído para recolher lenha, e o dever, ensinara-lhe o pai, era coisa que se cumpria mesmo quando o céu desabava.

Quando o rapaz parou para recuperar o fôlego, ouviu um som leve, quase um murmúrio. Um rosnado baixo. Voltou-se devagar, a mão aproximando-se instintivamente do pequeno canivete que trazia no cinto, arma simbólica, mas ainda assim arma.

Dos arbustos surgiu uma raposa magra, o pelo eriçado pela luta contra o inverno. Os olhos, porém, brilhavam com a esperteza típica dos que sobreviveram demasiado tempo à beira da morte.

O rapaz não recuou. A raposa também não.

Entre os dois pairou um silêncio feito de gelo e desconfiança, o tipo de silêncio que antecede sempre uma decisão importante, mesmo para os pequenos.

O vento uivou. A criança tremeu.
A raposa avançou um passo.

Não para atacar.
Mas para se encostar ao rapaz, encostando o corpo quente à perna dele como se soubesse que só juntos iriam sobreviver.

— Não me mordas, ouviste? — resmungou o rapaz.
A raposa levantou o focinho, como se o desafiasse a duvidar da sua intenção.

Ali, no meio da pradaria branca, dois sobreviventes entenderam-se.
O frio tornava-se mais forte, mas o calor do animal era inesperadamente firme, quase teimoso.

Continuaram o caminho, o rapaz apoiado na coragem que aprendera nas histórias do pai, a raposa movida pelo instinto feroz dos que não se rendem ao inverno.

Quando finalmente avistaram a luz distante do rancho, o rapaz sentiu algo que não sabia pôr em palavras, uma espécie de respeito. Duro. Seco. O tipo de respeito que nasce apenas quando dois seres atravessam juntos o perigo da fronteira.

Parou à porta, olhou para a raposa e disse:

— És livre. Sabes disso.
A raposa ergueu as orelhas, como que pesando a decisão. Depois deu meia-volta e desapareceu na noite branca, tão silenciosa quanto surgira.

O rapaz entrou em casa, sacudindo a neve.
Sabia que, lá fora, num mundo onde poucos sobreviviam, tinha encontrado um aliado improvável.
E que, naquelas terras selvagens, alianças assim valiam mais do que ouro.

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