A neve começara a cair antes do previsto, cobrindo a pradaria de um branco traiçoeiro. O vento empurrava a neblina como se quisesse apagar o mundo, e a criança, um rapaz de uns dez anos, habituado mais à dureza do que à ternura, caminhava com passos firmes, apesar do frio que lhe mordia os ossos.
O rancho ficava longe. Mais longe do que deveria estar, agora que a tempestade apertava.Mas ele tinha saído para recolher lenha, e o dever, ensinara-lhe o pai, era coisa que se cumpria mesmo quando o céu desabava.
Quando o rapaz parou para recuperar o fôlego, ouviu um som
leve, quase um murmúrio. Um rosnado baixo. Voltou-se devagar, a mão
aproximando-se instintivamente do pequeno canivete que trazia no cinto, arma
simbólica, mas ainda assim arma.
Dos arbustos surgiu uma raposa magra, o pelo eriçado pela
luta contra o inverno. Os olhos, porém, brilhavam com a esperteza típica dos
que sobreviveram demasiado tempo à beira da morte.
O rapaz não recuou. A raposa também não.
Entre os dois pairou um silêncio feito de gelo e
desconfiança, o tipo de silêncio que antecede sempre uma decisão importante,
mesmo para os pequenos.
Continuaram o caminho, o rapaz apoiado na coragem que
aprendera nas histórias do pai, a raposa movida pelo instinto feroz dos que não
se rendem ao inverno.
Quando finalmente avistaram a luz distante do rancho, o
rapaz sentiu algo que não sabia pôr em palavras, uma espécie de respeito. Duro.
Seco. O tipo de respeito que nasce apenas quando dois seres atravessam juntos o
perigo da fronteira.
Parou à porta, olhou para a raposa e disse:

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