segunda-feira, fevereiro 17, 2020

Amigos por correspondência

Um dia, o Jó Rodrigues chegou todo acelerado ao Café Avenida com um exemplar da revista Plateia.
- Olhem o que vem aqui. Podemos publicar pedidos de correspondência e conhecer novas miúdas…
- Boa ideia – disse o João – Já estava a ficar um pouco farto destas.
Passaram a tarde a redigir a nota de pedido de correspondência para enviar à revista, considerando-o perfeito ao fim de algumas horas.


Jovem dinâmico que gosta de leitura, de praticar desporto, de ouvir música e viajar procura corresponder-se com menina com excelentes qualidades morais e gostos semelhantes. Por favor, envie fotografia.

Claro que as qualidades evidenciadas estavam um pouco exageradas. O Jó gostava de ler livros do Vilhena embora tivesse numa estante em casa as obras completas do Aquilino Ribeiro. Em termos de desporto, era enorme preguiçoso, gostando de andar à caça com uma pressão de ar e abater inocentes pardalitos. Claro que era excelente ouvinte de música como já testemunhei várias vezes e, quanto a viagens, Lisboa e Nazaré eram os seus destinos favoritos.
Com a nota redigida, começaram as invejas:
- As respostas vêm para mim, para minha casa – dizia o Jó.
- Não, não. Vêm para casa do meu avô – respondeu o João – Eu também ajudei a redigir isto.
- Mas se o teu avô ou a tua tia apanham as cartas não tas dão…
Lá se entenderam em repartir as cartas que o Jó recebesse na sua morada.
- E agora para onde mandamos isto?
- Para a revista Plateia da Agência Portuguesa de Revistas, na Rua Saraiva de Carvalho – respondeu o João, já a bufar. – Está tudo aqui.
Passados dias, o anúncio apareceu publicado na revista e não foi preciso esperar muito para começarem a chegar as cartas. Eu e o Rui fomos até casa do Jó e ele deu-nos a novidade:
- Já recebi cartas de miúdas. Há aqui uma fotografia muito gira. As outras vou dar ao João…
E efetivamente uma das miúdas era bem bonita, bastante dotada, fazendo lembrar uma artista do cinema francês. Na carta, evidenciava excelentes qualidades e pedia uma foto ao Jó. Este não se fez esperar e, pouco depois, estava a responder-lhe e a convidá-la para visitar Ourém. Queria mostrar-lhe os pontos de interesse da terra: os Castelos, o Café Avenida, o jardim frente à Câmara… a enumeração não é exaustiva, tantos os pontos de interesse da nossa terra naquele tempo.
Um dia, vimos o Jó chegar ao Avenida todo aperaltado. Nunca disse porque estava assim, mas, pouco depois, dirigiu-se até à garagem das camionetes dos Claras e aí ficou à espera. Uma camioneta parou e uma jovem saiu lá de dentro:
- Olá! És o Jorge? Eu sou a Mariana…
O Jó olhou-a surpreso. O aspeto da miúda não coincidia com a da fotografia. Era feiota, usava óculos de aros negros e tinha uns grandes dentes de coelho…
- Mas tu não és a rapariga da foto que enviaste.
- Jó, decerto não leste bem a minha carta. Eu disse que apreciava muito a BB e que queria ser como ela, bonita como ela… não te mandei nenhuma foto minha. Mas que tens? Não vás embora. Eu prometo que vou ser como ela…
O Jó já nem a ouvia. Cerrou os dentes e disparou em direção ao Avenida, deixando-a sozinha na estação de camionagem. Pelo caminho ia remoendo:
- Nunca mais vou em conhecimentos por correspondência.
Um pouco afastado, o João assistiu a toda aquela cena e ria-se da partida pregada ao amigo. Pouco depois, chegou junto da miúda, passou-lhe o braço pelos ombros e disse:
- Pronto, não fiques triste. Fizeste o que tínhamos combinado, eu levo-te de volta a casa e ainda podemos divertir-nos na feira de Leiria.

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