terça-feira, fevereiro 18, 2020

Recordação da "Maioria Silenciosa"

Na tarde de 27 de Setembro de 1974, fomos chamados ao comando operacional.
- Prepara-se uma manifestação dita da «Maioria Silenciosa». Trata-se de um golpe encapotado em que podem estar implicadas figuras do antigo regime. Vocês ficam encarregues de ir prender X…
E as operações foram sendo distribuídos pelos diferentes elementos. Fiquei num grupo com dois bons amigos, o Albino e o Jorge. O primeiro era extremamente delicado, muito sensível que não fazia mal a uma mosca. O Jorge era um bocadinho mais perigoso. Madeirense, ultra inteligente e um fanático pelo PCP que tinha passado as noites a seguir ao 25 de Abril nos estúdios da RTP do Lumiar carregado de granadas à cintura.
O plano era simples. Levar as armas (G3) para minha casa na Morais Soares, por volta das 22 sair, fardados, colocá-las no carro e ir à zona do Apolo 70, esperando até à meia-noite para proceder à detenção.
Tudo foi decorrendo na maior das calmas. Até visitámos o Apolo 70, claro, fardados, mas sem as armas. E, à meia-noite, dirigimo-nos à casa de X. Batemos à porta e logo se ouviu uma voz:
- Quem é?
- Somos do COPCON. Procuramos X. Ele está?
- Não, não está cá…
- Abra a porta por favor. Temos de verificar.
Quem estava do outro lado não abriu a porta pelo que a única solução foi deitá-la abaixo. O Jorge foi buscar um machado e, daí a pouco, uma pancada avisou as pessoas que não estávamos a brincar. Não foi preciso mais nada. A porta abriu-se e apareceram três senhoras aterrorizadas à nossa frente.
- Onde está X?
- Não sabemos, não está cá…
Em vão o procurámos pela casa e pela escada de salvação enquanto o Albino pedia desculpa às senhoras. O Jorge até o procurou no guarda-vestidos. E acabámos por desistir…
No regresso ao posto de comando, soubemos que as coisas estavam a correr bem, algumas detenções de figuras do fascismo tinham sido processadas e que a nossa era uma das poucas mal sucedidas. Alguém sugeriu:
- Ele tem uma quinta na zona de Setúbal.
E nem olhámos para trás. O carro do Jorge era um Ford Escort muito parecido ao famoso Datsun 1200 que galgou a distância até à quinta em pouco mais de meia-hora. Seguiam-nos mais dois ou três carros carregados de milicianos armados entre os quais o maluco do Rodrigues.
Finalmente, fomos melhor sucedidos. Dai a pouco, a figura de X era detida e o grande Rodrigues exibia uma pressão de ar como troféu:
- Olhem, até tinha armas em casa…
Bolas! O pessoal até tinha razão. Mas não precisávamos de exagerar tanto…


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