sábado, fevereiro 22, 2020

Um índio chegou ao Carnaval de Ourém

Era um Carnaval triste e cinzento. Em Ourém, o João procurava motivos para alegrar os seus amigos.
«Que falta de ideias nesta malta! Parece uma terra de mortos. Que hei-de fazer?»
Teve então uma excelente ideia.
«Vou disfarçar-me de índio. Eu sei que sou parecido com o Pequeno Castor e vou surpreender toda a gente no Avenida».
E não foi preciso muito para estar disfarçado. Para dar maior rigor à sua vestimenta, não esqueceu de munir-se de uma boneca, o seu brinquedo predileto.
Saiu de casa do avô, o Dr. Preto, pela porta do quintal para os familiares não o verem e encaminhou-se para o Café Avenida.
Lá dentro, reinava a pasmaceira do costume. Uns jogavam King, outros faziam as bolas do bilhar saltar e quase partir os vidros, o Ezequiel já estava com a cabeça doida… Imaginem o que foi quando o João entrou disfarçado de índio, embora em pleno Carnaval.
Ninguém o reconheceu.
- Olha um índio – dizia o Kansas. - Vou já buscar a minha pistola.
Naquela altura, para além do Ezequiel, o Avenida tinha um empregado novo que ainda nem conhecia bem a terra, mas queria mostrar-se um grande defensor do espaço. Não se lembrando que era Carnaval, foi logo na direção dele e não teve receio de mandar uma tirada xenófoba para proteger o negócio dos patrões.
- Rua! Cães, índios, pretos, ciganos e comunas não se toleram neste espaço…
O João pensou que ele estava a brincar e mostrou-lhe a boneca:
- Olha, tenho um tesouro aqui dentro. Queres ver? Jejjejjejjjeje…
Carregou num botão da boneca e ela fez xixi para a cara dele.
O empregado ficou danado, levantou a bandeja e desfechou com ela na cabeça do João que se estatelou imediatamente no chão. O Ezequiel veio a correr e, com o seu bom coração, ajudou-o a levantar.
- Oh! É o neto do Dr. Preto. Não sabes o que fizeste, alimária…
Todos estavam boquiabertos e admirados com o desfecho daquela cena. No dia seguinte, o malvado empregado que deu com a bandeja na cabeça do João já não se apresentou ao serviço. Tinha sido despedido… Ourém sempre respeitou as diferenças.

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