segunda-feira, fevereiro 10, 2020

Uma demora estranha


Numa tarde primaveral, a Luzinha chegou ao café Avenida com um ar bastante animado.
- Meninos e meninas, o Zé Carlos emprestou-nos o burro. Podemos levá-lo com o nosso farnel e os nossos discos carregados nos alforges e ir fazer um piquenique.
Alguns resmungaram.
- Outra vez, os castelos? Já estou farto…
- A ideia é outra. Há um caminho pouco íngreme para os moinhos que passa por trás do Colégio. Vamos por ali acima e fazemos o acampamento já lá no alto. Tenho um postal de como aquilo era há uns anos. Até lá andavam rebanhos.
- Que bucólico! – disse a Teresinha visualizando o belo postal que ela mostrava.
Alguns continuavam a preferir uma tarde de jogo de cartas, mas a Luzinha foi perseverante.
- Conto contigo, Estorietas, para fazeres a reportagem. Que dizes?
- Claro que podes contar comigo. Daqui a uns cinquenta anos serei o cronista de Ourém e muito mais famoso que o Fernão Lopes. Até vou sugerir uma mudança de nome: em vez de Colégio Fernão Lopes, deverá chamar-se Ruínas do Estorietas…
Aos poucos, ela conseguiu mobilizar um grupo razoável. A Livinha prontificou-se quase de imediato:
- Vou a casa preparar umas sandochas para levarmos. Daqui a um quarto de hora estarei aqui.
O Jó e a Guida também tiveram de concordar, pois eram eles quem levava o equipamento musical. A Luzinha contou os voluntários para o piquenique e disse:
- Precisamos de mais uma menina para o bailarico.
Do outro lado da rua ia a Maria Emília que raramente os acompanhava e ela correu a convidá-la para o piquenique.
- Tu podes conduzir o burro, pois tens mais experiência.
A Nicha riu-se e, daí a pouco, estava um bom grupo à frente do Avenida à espera da Livinha, do Jó e da Guida. Pouco depois, uma estranha excursão, percorreu a Avenida: um burro com dois alforges bem carregados e uma menina a puxá-lo e um grupo de rapazes e raparigas atrás deles a cavaquearem. Junto ao Zé Canoa, viraram à esquerda e, mais acima, penetraram no pinhal. Pouco depois, passaram atrás do ginásio do CFL por um caminho estreito com uns dois metros de largura e continuaram por ali acima embora com suave inclinação.
Já estavam um pouco cansados quando chegaram a um planalto. Lá adiante via-se o esqueleto de três moinhos abandonados. A atmosfera estava maravilhosa, respirável. O som do silêncio era inebriante.
Montaram duas mesas de campanha e o Jó encarregou-se do som. De repente, ouvimos uma exclamação de desespero:
- Bolas! Que chatice!
Olhámos naquela direção e vimos o Jó visivelmente irritado com a irmã.
- Trouxeste as pilhas que estavam gastas! Agora não temos gira-discos. A culpa é tua, eu disse-te onde estavam as novas.
- Deixa. Eu vou a casa buscá-las – respondeu a Guida.
- Nem penses, é muito longe.
A Livinha lançou uma sugestão.
- Há uma pequena loja depois dos moinhos na Lourinhã. Eu posso lá ir comprar as pilhas num instante. É muito mais perto que a casa da Guida.
Esta ofereceu-se logo.
- Eu vou contigo, priminha…
E as duas miúdas completaram a subida da colina, fizeram a travessia junto aos moinhos. Pouco a pouco, as suas figuras foram desaparecendo cada vez mais pequenas.
O João, o Jó, a Teresa e a Luzinha encetaram um jogo de cartas. O Estorietas falava junto a uma árvore com a Emília. Mais abaixo, o Jó Alho e o Rui Themido davam uns toques numa bola.
E o tempo foi passando. Meia hora, uma hora, hora e meia…
- Que estranho! Já deviam cá estar há muito tempo…
- Se calhar, não as devíamos ter deixado ir sozinhas…
A preocupação começou a invadir o grupo. O Jó era o mais despreocupado.
- Não se ralem. A minha irmã gosta muito de ver flores. Deve andar a apreciar os jardins silvestres.
Foi então que o Estorietas resolveu agir.
- Eu vou ver o que se passa. Nicha, vens comigo?
E partiram os dois à procura da Guida e da Livinha. Que se passaria com as duas miúdas?

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