segunda-feira, maio 25, 2020

Prisioneiro pela arte

A bela Deolinda circulava na sua bicicleta na estrada em direção ao Olival e, quinhentos metros após o cruzamento definidor das direções Pinheiro / Caxarias, meteu por um caminho estreito detendo-se frente a uma cabana relativamente recente toda feita em madeira e com algumas janelas de vidro.
Pegou nas compras, abriu a porta de entrada e saudou:
- Então como está o meu lindo Estorietas?
No centro da sala, com mais de trinta metros quadrados, podia ver-se o Estorietas em estado andrajoso. Estava atado à coluna central da cabana, em tronco nu. Não podia mover os pés e a própria cintura estava rodeada por cordas, permanecendo os pulsos amarrados atrás do tronco.
Ela aproximou-se e deu-lhe um beijinho evidenciando alguma ternura:
- Estorietaszinho, sabes o que te trouxe? Olha…
E mostrou-lhe as telas e o material de pintura.
- Sabes o que vais fazer à tua pombinha que gosta tanto de ti? Vais fazer o retrato dela. Tal como fizeste da outra… também quero parecer como a Adjani…
- Não tens hipótese – redarguiu ele com voz rouca – És loura e a Adjani tem uns belos cabelos negros.
Ela esbofeteou-o.
- Eu posso ser o que quiser, ouviste?
Era uma selvagem aquela rapariga, uma selvagem perigosa.
- Se queres que te liberte, vais pintar-me e fazer de mim uma artista de classe.
- Eu pinto-te, mas serás mais uma Bardot, uma France Gall ou uma Meg Ryan. Mas nunca se parecerá contigo. A arte é uma representação do real sublimada por uma introspeção latente. E tu nunca conseguiste olhar para dentro de ti…
Pensando que ele estava a ficar maluco, ela foi buscar um cavalete, colocou lá uma das telas e aproximou dele o material de pintura.
- Estorietaszinho, agora vou libertar-te as mãos para poderes cumprir o nosso contrato. Não faças disparate, senão o castigo ainda será maior…
- Está bem, venceste.
Ela libertou-lhe as mãos e foi pôr-se em posição, sentada numa mesa um pouco em frente dele. E ele pintou aquela rapariga do modo que a via naquele momento.
Passada meia hora, disse:
- Pronto, já está…
Ela levantou-se felina, contente e aproximou-se para ver a obra. Mas, ao contemplá-la, soltou um grito de horror.
- Malvado!!! Estás a gozar comigo?
Na tela, estava desenhado um dos bichos mais feios que alguma vez tinha visto. A Deolinda não resistiu à ira. Pegou na tela e, mais uma vez, o Estorietas sentiu na cabeça o peso de uma das suas obras.
- Não vais sair daí, não te liberto até que me desenhes como fizeste à lagartixa do castelo.
Voltou a amarrá-lo. O Estorietas preparou-se para passar mais uma noite sem comer e sem descansar. Nem tinha força para pensar como poderia libertar-se daquela fera…


Pobre Estorietas… Será que alguém o poderá salvar?

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