sábado, maio 08, 2004

A Cruz Branca

Reparem na linda criatura que está no ponto mais alto daquela árvore. Apesar do seu porte humilde, parece desafiar-me enquanto canta feliz a sua liberdade.
Noutros tempos, o meu primeiro impulso seria ir buscar a pressão de ar e tratar-lhe da saúde. Hoje, confesso que aprecio sobremaneira a sua companhia. Assim, no quintal da minha humilde residência tenho algumas árvores que convidam estes pequenos seres a conviverem um pouco comigo e eles não se fazem rogados pelo que, de manhã à noite, tenho canto permanente. E penso: mesmo que não venha a tempo de apanhar a fruta, as poucas ameixas, os poucos figos sempre têm alguma utilidade, são uma reserva de comida para os ditos. E imagino o belo repasto, garantidamente da agricultura biológica, que ali têm.
Mas ao mesmo tempo sinto que, à medida que perdemos as zonas verdes, à medida que abatemos as nossas árvores, vamos também afastando estes simpáticos seres.
Há dias descia a estrada que liga Ourém a Tomar e, de repente, ao passar perto da Quinta da Olaia dou de caras com algo preocupante. Junto à Quinta das Margaridas, duas árvores ostentam uma cruz branca. Mais à frente, perto da ponte, o mesmo se passa com mais algumas árvores. Não sei qual a sua idade, mas como desde muito novo as conheço admito que sejam quase centenárias. Confiei as minhas dúvidas a pessoas conhecidas até que alguém mais ligado aos serviços camarários me informa: Ah! essas árvores são para abate.
Se isto é verdade, lá está mais uma contribuição para o deserto num sítio que é bem pitoresco. Para quê mais este abate? Andar a 50 ou 60 km/h na estrada Ourém-Tomar chega-me perfeitamente, nem 20 minutos demoro, o que era cada vez mais importante era pôr semáforos nas entradas nesta estrada e não aumentar a velocidade na mesma, ninguém precisa de auto estradas ao pé da janela. Deixem o diabo das árvores para podermos desfrutar de passeios calmos pelo meio das mesmas.
Mas a cruz branca lá continua. E cada dia que passa eu pergunto: será que aquela criatura ainda encontra condições para mais uma vez chegar ao meu quintal?



Ecos no Castelo
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