Ali, no local mais espaçoso que hoje é ocupado pela Marina, existiu, em tempos, um exemplo de bom gosto, algo de maravilhoso, o café Avenida.
Façamos um pequeno exercício com o que, actualmente, lá vemos.
Logo após a entrada, contemplemos o que se situa à esquerda, isto é, o sítio onde hoje se vendem jornais. Esse local era ocupado por cerca de quatro mesas em que as que se situavam mais perto da parede eram apoiadas por um banco corrido. Posso garantir que era o local da preferência dos mais jovens. Ali nos defrontávamos ao King: o Kansas, o Jó Rodrigues, o Rui Leitão, o Jó Alho. Também era um local de espera e de debates, onde preparávamos as farras e os bailaricos.
Mas continuemos à esquerda e vamos até ao fundo, tendo, por exemplo, como referência a estante dos Livros do Brasil. Deparamos com o sítio onde era o fabuloso balcão do Avenida, onde o Ezequiel e o Fernando Fortes preparavam as maravilhosas bicas e refrescos que nos serviam. O acesso à parte de dentro do balcão era do lado direito através de uma porta que ainda lá está.
Viremos à direita e consideremos o espaço para além do arco, antes cor de tijolo, agora embranquecido, descaracterizado. Era onde se situava o Restaurante do café. Com os poucos rendimentos de que dispunha, poucas vezes lá comi, mas consta-me e recordo que os bifinhos não eram nada maus.
O espaço entre um corredor que se segue à porta central, o cantinho da juventude, o balcão e o restaurante, onde actualmente se expõem as máquinas de calcular e outros aparelhos, era ocupado pela zona de jogo. Aí, os mais velhos disputaram renhidos combates de bridge (Fernado Rodriques, arquitecto, Dr. Durão,...?..) e dominó (Abel, Rui Costa, Luís Simões,...?...). Era também uma zona de Relações Públicas, pois bem perto dessas mesas estava a que vulgarmente era ocupada pelos proprietários do café, o Sr. Aguinaldo e esposa, duas figuras muito simpáticas que tinham sempre um sorriso para os clientes, apesar das perseguições políticas de que ele por vezes era vítima.
Consideremos, agora, o lado direito. Logo à entrada, no sítio onde a Alice expõe os perfumes e as loiças de Vista Alegre e outras marcas conceituadas, era o espaço para se ver televisão. Recordo filmes como O Homem Invisível , Sir Lancelot (ena, as histórias da Távola Redonda com a Guinevere, o Rei Artur eram o máximo!), o Robin dos Bosques , o Mister Ed (ver também este) que ali vi continuamente já não sei com que idade.
Apesar de tudo, não me lembro de grandes entusiasmos no interior do Avenida. O espaço era mais fino, mais snob, menos popular, menos ruidoso apesar de mais amplo e mais bonito.
Finalmente, adjacente em relação a esta zona, ocupado actualmente por materiais de pintura (Pelikans, Cisnes, etc.), existe o sítio onde se jogava bilhar bem perto da segunda porta de saída do café. Aí, dizia o João da Quinta, eu punha as bolas a saltar quando me irritava com as tacadas e estas não seguiam o rumo que eu planeava. Aos domingos, enquanto se ouvia o Música na Estrada e o fabuloso Oh Lady!, mais uma vez dos Les Chats Sauvages, nós iludíamos a vigilância dos pais e de outros controladores e lá fugíamos às obrigações sacras, refugiando-nos neste espaço. Depois, assistiamos, como dizia o Jó Rodrigues, ao Santo Sacrifício da Saída.
Ao terminar este roteiro sobre o Avenida, sinto uma certa tranquilidade. Animem-se, Oureenses. A Marina ocupou-o, se calhar esse até foi um meio de o preservar. Eu julgo que, se quisermos e tivermos força e meios para tanto, podemos reconstruir tudo. Sob a ocupação efémera desta empresa nada está destruído, está apenas oculto. Assim, se a Câmara quiser apoiar a reconstituição, pode começar desde já a recordar e projectar a ornamentação e mobiliário do mesmo. As belas mesas negras com vidro por cima, as belas e pesadas cadeiras, a porta giratória...
Força, vamos lá, responsáveis autárquicos, aquela Ourém merece todos os sacrifícios. E ainda existe quem se recorde de tudo, daqui a uns anos pode ser tarde demais.
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