domingo, agosto 15, 2004

Manhã de Domingo (1)
No "centro histórico", não se vê vivalma. Com os três cafés fechados, não há quem se atreva a percorrê-lo. No local do fado, já não parece haver resquícios da borga.
Marqueses, barões, condes e condessas já retiraram há longas horas e só lhes resta a recordação daquelas horas de cultura para o povo que teve o privilégio de os ver passar.
O Marquês Cabeça de Vaca, enquanto acerta o laçarote ao pescoço, ensaia algumas passagens do encapuçado que a sua origem castelhana não lhe deixa perceber do melhor modo.
A Condessa do Pé Descalço procura fazer tranças pretas mas a carapinha que herdou dos ancestrais não lhe permite replicar a referência do da Câmara, mau grado o brasão que tinha adquirido a um aristocrata arruinado. Em vão, ela trauteia:
Como era linda
com seu ar namoradeiro
...
O Alcaide contempla os seus cavalos ainda cansados da monumental caminhada sobre o asfalto e enquanto os dirige para o bebedoiro entoa o Agora choro à vontade:
E eu
a quem o fado não quis
vou chorando a cada passo
o grande amor que perdi

Meu coração
perdido à toa
...
Para os lados do Bairro alguém pensa em nova realização para melhorar a cultura do povo de Ourém. "Schubert para os dez principais oureenses"? A quinhentos euros a entrada podia render uns mil contos que mandávamos para as criancinhas pobres de Moçambique.
Isto, meus amigos, não é viver na lua, é tentar compreender o que se passa em Ourém. E não o achar normal por mais normal que vá parecendo.

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