quinta-feira, dezembro 09, 2004

... e enquanto o Vitorino pensa e redige o programa, recordemos algo que o seu homónimo em boa hora nos deixou...


O Maltês

Poema de Manuel da Fonseca

I


Em Cerro Maior nasci

Depois, quando as forças deram
para andar, desci ao largo.
Depois, tomei os caminhos
que havia e mais outros que
depois desses eu sabia.

E tanto já me afastei
dos caminhos que fizeram,
que de vós todos perdido
vou descobrindo esses outros
caminhos que só eu sei.

II

Veio a guarda com a lei no cano das carabinas.

Cercaram-me num montado;
puseram joelho em terra;
gritaram que me rendesse
à lei dos caminhos feitos.
Mas eu olhei-os de longe,
tão distante e tão de longe,
o rosto apenas virado,
que só vi em meu redor
dez pobres ajoelhados
perante mim, seu senhor .

III

Gente chegou às janelas,
saíram homens à rua:
- as mães chamaram os filhos,
bateram portas fechada!

E eu, o desconhecido,
o vagabundo rasgado,
entrei o largo da vila
entre dez guardas armados;
- mais temido e mais amado
Que o deus a que todo rezam.

IV

...E vendo que eu lhes fugia
assim de altiva maneira
à sua lei decorada,
lá,
longe do sol e da vida,
no fundo duma cadeia,
cheios de raiva me bateram.

Inanimado,
tombei por fim a um canto.

E enquanto eles redobravam
sobre o meu corpo tombado,
adormecido
eu descansava
de tão longa caminhada! ...

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