A propósito de JOAQUIM ESPADA
Um texto de Sérgio Ribeiro
Foi dos 15 aos 17. Sei, porque foi nos então 6º e 7º anos do liceu.
Eu andava no D. João de Castro, ao Alto de Santo Amaro.
O meu pai dava-me, de semanada, 2$50 (vinte e cinco tostões). Uma miséria!
O preço do autocarro era de 1$50 (quinze tostões) por viagem desde a Álvares Cabral, pelo que reivindicava 6$00 de diária para transportes e com o pretexto de poder ainda vir a casa, eventualmente, para almoçar comidas de mãezinha.
Saia de casa, na Rua do Sol ao Rato, bem antes das 7 da manhã, com um lanchezito ou uns tustos que me dava a minha mãe, para umas sandocas, e ia a pé até Santos, onde apanhava o eléctrico/”carro operário” até ao Largo do Calvário, o que me custava 1$10 (onze tostões) ida e volta pelo mesmo trajecto, que incluía subir e descer a butos até ao (bem) Alto de Santo Amaro.
Foi o meu período de iniciação proletária, por várias razões, até pelo que aprendi ao ouvir certas conversas e ao conviver com aquelas vivências, ao olhar aquelas caras que hoje talvez mitifique. Mas voltemos ao que quero contar…
Resumindo: cada dia guardava 4$90 (quatro mil e novecentos). Uma fortuna ao fim de algumas semanas, que arredondava com as receitas de explicações que também dava a preço módico.
Para quê? Para várias coisas, nem todas confessáveis, mas sobretudo para poder, nos fins-de-semana (curtos, curtos) e nas férias (longas, longas), jogar bilhar no Café Central, então colocado logo à entrada, entre as duas portas e antes das mesas – se me não engano…
Mas nem no Café Central o gastava todo aquele dinheiro, que afinal bem pouco era, em bilharadas com os amigos, como talvez fossem as primeiras intenções ao ganhá-lo e ao poupá-lo.
Com frequência, ao entrar no Café Central à procura de parceiros, que cedo ou tarde apareciam sempre, o senhor Joaquim Espada, alto, careca, afabilíssimo, chamava-me para o outro lado do balcão e tínhamos longas conversas sobre livros, mostrando-me uns recém-chegados e outros que já por lá estavam e ele entretanto lera e anotara. Falava dos livros com entusiasmo. Contido, seguro, didáctico. Nunca como quem quer promover vendas. Nunca. Umas vezes, eu fazia questão em comprar, sacrificando uns quartos de hora de bilhar, noutras, ele emprestava-mos para depois continuarmos a conversa. Recordo um desses livros que assim comprei e li, e ficou cá dentro como uma das boas coisas que me aconteceu na vida: Os cardos do Baragan, do búlgaro Panait Istrait.
Ali passei, no Café Central, e nessas conversas com Joaquim Espada, algum do meu tempo, desse tempo em que já somos e começamos a ser, algum desse tempo dos 15 aos 17 anos, não muito tempo mas tempo precioso, inesquecível, decisivo para o que fui sendo e sou. De que me não arrependo. Bem pelo contrário, tranquilo que estou.
Por isso, sem ter andado no CFL – e tenho pena… mas a isso voltarei –, comove-me ler-te sobre Ourém e o Café Central. Mas, neste, tenho de meter o senhor Joaquim Espada e os livros, senão faltava algo de essencial ao quadro que vais pintando mas que também é meu.
Um grande abraço
Sérgio Ribeiro
Um texto de Sérgio Ribeiro
Foi dos 15 aos 17. Sei, porque foi nos então 6º e 7º anos do liceu.
Eu andava no D. João de Castro, ao Alto de Santo Amaro.
O meu pai dava-me, de semanada, 2$50 (vinte e cinco tostões). Uma miséria!
O preço do autocarro era de 1$50 (quinze tostões) por viagem desde a Álvares Cabral, pelo que reivindicava 6$00 de diária para transportes e com o pretexto de poder ainda vir a casa, eventualmente, para almoçar comidas de mãezinha.
Saia de casa, na Rua do Sol ao Rato, bem antes das 7 da manhã, com um lanchezito ou uns tustos que me dava a minha mãe, para umas sandocas, e ia a pé até Santos, onde apanhava o eléctrico/”carro operário” até ao Largo do Calvário, o que me custava 1$10 (onze tostões) ida e volta pelo mesmo trajecto, que incluía subir e descer a butos até ao (bem) Alto de Santo Amaro.
Foi o meu período de iniciação proletária, por várias razões, até pelo que aprendi ao ouvir certas conversas e ao conviver com aquelas vivências, ao olhar aquelas caras que hoje talvez mitifique. Mas voltemos ao que quero contar…
Resumindo: cada dia guardava 4$90 (quatro mil e novecentos). Uma fortuna ao fim de algumas semanas, que arredondava com as receitas de explicações que também dava a preço módico.
Para quê? Para várias coisas, nem todas confessáveis, mas sobretudo para poder, nos fins-de-semana (curtos, curtos) e nas férias (longas, longas), jogar bilhar no Café Central, então colocado logo à entrada, entre as duas portas e antes das mesas – se me não engano…
Mas nem no Café Central o gastava todo aquele dinheiro, que afinal bem pouco era, em bilharadas com os amigos, como talvez fossem as primeiras intenções ao ganhá-lo e ao poupá-lo.
Com frequência, ao entrar no Café Central à procura de parceiros, que cedo ou tarde apareciam sempre, o senhor Joaquim Espada, alto, careca, afabilíssimo, chamava-me para o outro lado do balcão e tínhamos longas conversas sobre livros, mostrando-me uns recém-chegados e outros que já por lá estavam e ele entretanto lera e anotara. Falava dos livros com entusiasmo. Contido, seguro, didáctico. Nunca como quem quer promover vendas. Nunca. Umas vezes, eu fazia questão em comprar, sacrificando uns quartos de hora de bilhar, noutras, ele emprestava-mos para depois continuarmos a conversa. Recordo um desses livros que assim comprei e li, e ficou cá dentro como uma das boas coisas que me aconteceu na vida: Os cardos do Baragan, do búlgaro Panait Istrait.
Ali passei, no Café Central, e nessas conversas com Joaquim Espada, algum do meu tempo, desse tempo em que já somos e começamos a ser, algum desse tempo dos 15 aos 17 anos, não muito tempo mas tempo precioso, inesquecível, decisivo para o que fui sendo e sou. De que me não arrependo. Bem pelo contrário, tranquilo que estou.
Por isso, sem ter andado no CFL – e tenho pena… mas a isso voltarei –, comove-me ler-te sobre Ourém e o Café Central. Mas, neste, tenho de meter o senhor Joaquim Espada e os livros, senão faltava algo de essencial ao quadro que vais pintando mas que também é meu.
Um grande abraço
Sérgio Ribeiro
1 comentário:
É sempre bom ler, e é actual, mesmo um ano e meio depois.
Uma coisa: Panait Istrati era romeno.
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