terça-feira, julho 02, 2019

Tavira: economia informal e invasão de falsos guias

Passeava-me pelos Algarves, mais propriamente pela quase clássica Tavira. De fronte ao coreto, dois velhotes admiravam as belezas da terra. Presenciei então algo de interessante: uma jovem aproximou-se deles e perguntou se queriam fazer uma fotografia.
- Não, não! Estamos apenas a admirar…
- A nossa terra tem muito orgulho em preservar o património que nos legaram.
- Pois, é muito bonito, fazem muito bem…
- Sabem, eu sou organizadora de passeios que exploram as belezas da cidade. Já conhecem as nossas 37 igrejas?
- Sim, conhecemos quase todas…
- Decerto não é bem assim, com a minha ajuda, podem admirar toda a influência árabe que ainda cá existe. Não estragámos nada…
- Pois, nós portugueses não somos sectários…
- E temos a casa do Fernando Pessoa, as casas com telhados Quatro Águas. Se quiserem, posso levá-los lá…
- Hoje, não, menina, temos pouco tempo…
- Mas ficam com o meu telefone. Chamo-me (pronunciou o nome) e trabalho para o turismo da terra… Quando quiserem, podem ligar-me e até vos posso dar brochuras sobre os nossos passeios.
Os velhotes tomaram nota do télélé, e em vão esperaram pelas brochuras.
- Por agora, não tenho aqui nenhuma, mas, se forem ali ao turismo, eles dão-vos imediatamente tudo o que relaciona com a pegada árabe.
Por curiosidade, tomei nota do número de telefone que a jovem indicou aos velhotes…
- Sabe, menina, temos que ir embora…
- Tenho pena, os senhores são muito simpáticos…
- A menina também. Adeus, até à próxima…
- Esperem, então não me pagam o meu serviço?
- O quê?
- Sim, o meu serviço, estive aqui a dar-vos pistas sobre Tavira, os árabes, Fernando Pessoa, a gastar o meu tempo… isto tem de ser pago.
- Coisa estranha, não esperava nada disso. E quanto leva?
- Entre sete e dez euros por contacto, é o que puderem dar.
- Ah! A menina é uma espécie de free lancer
- Isso mesmo, este é o meu trabalho, tenho de ser remunerada por ele.
Afastei-me, estranhando toda aquela conversa e a pensar naquilo. Uma jovem, a utilizar o património da terra para ganhar dinheiro a turistas incautos, não os avisando à priori do custo dos seus serviços, não passando recibo e sob a aparente conivência do poder.
Resolvi procurar um pouco mais… E se eu googlasse o número de telemóvel? Aonde me levava aquilo?
A pesquisa resultou. Daí a pouco, estava perante as famosas brochuras acerca do património de Tavira. Pouco depois, surgiu um nome que coincidia com o dado por ela. Vá, vamos um pouco mais longe, precisamos de um apelido, de formação, de outras atividades, de uma foto…
Bolas, isto é um caso sério. A pequena tem uma pós-graduação. Participa em conferências sobre o Papa Francisco, em colóquios sobre a presença árabe, é um caso sério de conhecimentos sobre religião, sobre o património da cidade. Até há fotografias na Net que coincidem exatamente com ela.
E anda a pedir em Tavira...

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