terça-feira, outubro 22, 2019

O impostor


No primeiro ano das Económicas, fui conhecendo novas pessoas. O meu colega de quarto chamava-se Joaquim Morais e tinha um grande lote de conhecidos nas proximidades do Quelhas. Claro que, ao fim de pouco tempo, já o acompanhava até à casa destes.
Uma noite, fomos ter com um tal Vasco. Uma espécie de manager de meninas carentes de companhia que passava o tempo agarrado ao telefone.
- Arranja-me uma garota para eu passear com ela – pediu-lhe o Morais.
O Vasco não se fez rogado. Era bem falante, tinha boa figura e tinha uma invejável lista de garotas. De maneira que lá cantou a canção do bandido a uma série delas.
- Sabes? O meu amigo Morais é de Bragança, chegou agora a Lisboa, não conhece ninguém, precisava de alguém que o orientasse pela cidade.
Nenhuma estava disponível, até que uma se prontificou a tão piedoso papel. O Vasco combinou tudo, deu os devidos pormenores à pequena, incluindo o número de telefone da casa onde estávamos hospedados e ficou combinado que ela o levaria a uma matiné dançante num boite.

***

Jantava-se na Rua Miguel Lupi, junto a Económicas e, de repente, tocou o telefone. Era ela…
- O senhor Morais ao telefone – disse a dona de casa.
Ele lá foi e quando voltou um sorriso iluminava-lhe a cara.
- Era a Lena. Domingo à tarde, vou com ela dançar para o Calhambeque.
Cheios de inveja, lá vimos o ar altaneiro dele. Sempre à frente com uma pequena para ir dançar… e nós outros ali a chuchar no dedo.
Os dias foram passando e a data do encontro cada vez mais próxima. O problema é que, quando o dia chegou, o Morais não estava em condições de se apresentar. Uma crise de ansiedade apoderou-se dele.
- Luís, não posso ir. Tens de ir tu… Não posso deixar o Vasco mal visto.
Bonito serviço aquele! O primeiro encontro com uma miúda em Lisboa a fingir que era outro.
E lá fui em fatinho domingueiro direito à rua Aquiles de Monteverde para uma morada junto à Portugália. Ela não demorou a aparecer. Era morena, bonita, bem feita, talvez um bocadinho forte…
Feitas as apresentações, surgiu a inevitável questão:
- Achei a sua voz um pouco diferente…
- Estava um bocadinho constipado.
E dançámos, dançámos, dançámos. O Calhambeque era um ambiente escuro, com muita bebida que eu enfrentava pela primeira vez. Mesmo assim, tudo correu bem, embora a miúda parecesse um pouco nervosa.
À saída da boite, quem havia de aparecer? A Luzinha…
- Olá Luís, estás bom? Então por aqui?
- É verdade. Apresento-te esta amiga…
- Então, tens ido a Ourém…?
- Não, já há algum que não estou por lá…
A Luzinha foi-se e veio a inevitável pergunta:
- Não me tinha dito que era de Bragança? O seu nome não é Joaquim?
- Efetivamente, sou de Bragança, mas muitas vezes faço férias em Ourém, onde existe um grupo excelente de que a Luzinha faz parte. Por outro lado, chamo-me Joaquim Luis Morais… Como não gosto de Joaquim, os amigos tratam-me por Luís, é mais breve.
Grande aldrabão! Sempre com pinta para a desculpa rápida…
Mais à frente, como por acaso, encontrámos a mãe dela.
- Mãe, venha conhecer o Joaquim Morais…
- Muito prazer, gosto de saber quem acompanha a minha filha.
E fomos a pé até casa da Lena. Houve mais alguns encontros, bastante aproximação...
Um dia, aquela confusão de nomes e de terras criou o desenlace fatal.
- Lena, tenho de dizer-lhe uma coisa…
Ela ficou ansiosa, pensando numa declaração de amor. Mas o que ouviu deixou-a gelada.
- O meu nome é… e sou de Ourém…
Não sei o que ela pensou. Só a vi partir a toda a velocidade, sem eu perceber porquê tanta irritação.
Oh! Como ela ia triste. Como a fiz sofrer…
Nunca mais a vi.


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