quinta-feira, dezembro 16, 2004

Ourém em estórias e memórias
Assim falava 1bigonobalcao

Lembro-me de atravessar campos apinhados de salgueiros, amieiros, sabugueiros, alagados a maior parte do tempo. Tinham um solo de textura muito fina, era mesmo lama daquela de dar bons ralhetes salvo se de botins se tratasse.

Na primavera, procurávamos desalmadamente por todos os ninhos que pudéssemos encontrar, gladiávamo-nos com ramos das árvores e silvas, e o que eram cerca de 2 km exponenciavam para imagens de inexploradas e selvagens florestas do nosso imaginário.

Havia também um loureiro, uma árvore magnífica que não teria menos de 60 anos. Apesar de, por vezes, muitos nas suas copas estarmos, continha-me em dizer que aquele era o meu sítio, talvez achassem esquisita a escolha.

Um dia, peguei mesmo em duas moedas de XX réis, penso que datadas 1886, um canivete, e vai de cravá-las num cilindro à medida escavado na casca (diz-se ritidoma, a canela por exemplo; por falar em ritidoma, lembro-me que nessa altura sempre que cortavam eucaliptos e os descascavam ali, a sua casca dava o que chamávamos as calhas, com as quais deslizávamos pelas encostas abaixo, era uma catecolinização total). Esperava que a casca do loureiro envolvesse aquelas moedas, obtendo daí uma ligação eterna por um tesouro partilhado. As moedas acabaram por desaparecer, mas antes do ritidoma as envolver, pois… foi isso mesmo. Quase duas décadas depois deste episódio, passei no local, o tronco assentava na parte vertical de um valado/socalco. Tinha sido cortado, mas nunca deixei de o ver lá!

Por vezes, após longas caminhadas encontrávamos árvores de fruto, figueiras, pereiras e macieiras aparecidas em terras há muito não amanhadas (as barrigas tanto menos, das longas caminhadas). Como as macieiras germinam relativamente bem a partir da semente, é bem provável que tenhamos comido algum fruto com paladar único, pois uma semente possui a sua individualidade. O alargamento de espécies preferidas dá-se pelos artesanais métodos de clonagem por enxertia de ramos de variedades eleitas sobre o cavalo (ramo de suporte do enxerto enraízado) obtido por semente. Já me perdi, mas, se aqui cheguei, talvez seja porque os aromas e sabores, como tantas outras coisa, ficaram bem impressos na memória, verdadeiros affrescos da vida.

1 comentário:

Lobo Sentado disse...

Obrigado, caro 1big, acredite que gostei muito...
E quando me lembro desse tempo em Ourém ou nas aldeias à volta recordo também os sons. Aquela cantoria matinal:os galos, os pássaros, os carneiros... tudo tão diferente do que é hoje.
E havia zonas onde, parace impossível, eu dizia que ouvia o silêncio tão forte era o seu envolvimento.
Um abraço

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