quinta-feira, abril 02, 2020

Uma época gloriosa da Joalharia Portuguesa

O século XVIII foi uma época gloriosa para a Joalharia Portuguesa devido à descoberta de ouro e posteriormente, de diamantes no Brasil que veio marcar todas as nossas artes com relevo para a Joalharia.
As tendências dominantes dos séculos anteriores traduziam-se no sentimento religioso, na utilização de esmaltes e coloridas enquanto, que este novo período, deu lugar a joias mais uniformes na sua decoração e design, realçando o brilho e a cor de uma única gema.
Nesta época gloriosa, emergiu a chamada "joia-espetáculo", que fazia transparecer publicamente a posse de riqueza e de poder ou crença religiosa.
Em Portugal, pode-se comprovar tal facto pela profusa exibição de Insígnias das Ordens Militares pelos seus membros.
Alguns grandes senhores possuíam riquíssimas obras de joalharia em diamantes e rubis (Insígnias das ordens de Cristo ou de Santiago) e esmeraldas (Insígnias da ordem de Avis).
Até à data, a lapidação mais apreciada era em "rosa" que constava de várias facetas na superfície visível superior da gema.
Na lapidação em "brilhante" desenvolvida e aperfeiçoada em Veneza, no início do século XVIII, as facetas são dispostas de modo geométrico, de maneira a que a luz aumente o brilho, a cor e o fogo do diamante.
Nesta época, a grande tendência barroca motivou o desenvolvimento da nova lapidação e era considerado mais hábil o ourives que tivesse a capacidade de tornar os suportes para as gemas.
Técnica facilitada com o aparecimento dos diamantes do Brasil, mais fundos que os provenientes da Índia, logo mais adaptáveis às exigências do novo talhe.
A prata era o metal de eleição para estas montagens, já que quando bem polida confundia-se com o brilho dos diamantes.
Foi a partir da segunda metade do século XVIII, que os diamantes brilhantes começaram a ser apreciados, simultaneamente, com o auge das encomendas aos joalheiros e ourives de Paris pela Casa Real Portuguesa.
Na grandiosa "Custódia de Ouro do Cabido da Sé de Lisboa" realizada entre 1755 e 1760, encontramos, entre outras gemas, grandes diamantes lapidados em rosa, facto que permite duvidar de uma utilização significativa, na joalharia nacional, de diamantes lapidados em brilhante anteriores a esta década.
Não são apenas os diamantes e as gemas “tradicionais" como as esmeraldas, rubis, pérolas e as safiras, as pedras utilizadas na Joalharia Portuguesa setecentista. As gemas de baixo valor aquisitivo também foram utilizadas em grande quantidade de joias de modo a ilustrar e preenchê-las de valor decorativo.
Na Joalharia Portuguesa eram utilizados como substitutos de diamantes os topázios, as crisólitas, os citrinos e cristais-de-rocha lapidado em brilhante e forrado de folhas prateados que atualmente, se designa, de modo geral, como "minas- novas".
Pedrarias estas que se encontravam com facilidade no Brasil, sendo o cristal de rocha (quartzo incolor cristalizado) também comum no nosso país.
Os ourives e joalheiros do século XVIII inspiravam-se na fonte naturalista, tal acontecia tanto em Portugal como na Europa.
As joias mais produzidas nesta época eram em forma de flores, estilizadas ou retratadas identicamente conforme os originais que refletiam os jardins barrocos transformando as joias em pequenos e preciosos jardins.
As populares laças em ouro não deixaram de ser influenciadas por este longo naturalismo que chegou aos alvores do século XX.
Durante este período objetos como brincos, alfinetes, anéis), braceletes, vários adornos para os cabelos atingiram um elevado grau de esplendor e apenas no final do século surgiu a tiara.
O último período de esplendor da joalharia ocidental ficou denominado pela elegância das joias dos homens, nomeadamente, alfinetes de chapéus, relógios com correntes, fivelas para mantos e sapatos, botões e insígnias.
Pode dizer-se que este foi o último período de esplendor da joalharia masculina no ocidente.
Na segunda metade do século, destacava-se o laço com pendente, em ouro ou prata encrustado com que podia ser utilizado em roupas, brincos ou pendente no centro do colar.
A ourivesaria portuguesa foi durante o período barroco até movimentos do século XIX influenciado pela produção de ouro do Brasil.
Hoje, são poucas as joias da Família Real ou de alta aristocracia que sobreviveram a esta época, salvo as representadas em pinturas e desenhos, ou registadas em documentação. Contudo, o conjunto do Palácio da Ajuda conhecido por "Joias da Coroa", reunido já durante o Estado Novo, possui algumas peças dos finais do século XVIII, algumas extraordinariamente importantes.
É o caso da grande laça para peitilho para esmeraldas e diamantes lapidados em brilhante, obra executada na transcrição dos reinados de D. José para D. Maria I.
Porém, novas modas e dificuldades económicas obrigaram a transformações das joias ou à sua destruição. Em 1845 ainda se conservava na Casa da Moeda de Lisboa, proveniente da antiga Igreja Patriarcal, o Ceptro em ouro de D. João I que, entre tantas outras preciosidades, acabou por ser fundido para enriquecer os cofres do Estado.
Nos cadinhos da Casa da Moeda) foi igualmente destruído o valioso tesouro das joias da imagem da Nossa Senhora do Carmo, entre as quais duas coroas em ouro e com grandes pedrarias oferecidas por D. João V.
Um dos testemunhos mais vibrantes da joalharia da Corte nos meados do século é uma obra sacra, a chamada "Custódia da Bemposta". Esta custódia, que se encontra no Museu Nacional de Arte Antiga, foi realizada na década de 60, provavelmente segundo um desenho do arquiteto/ourives de D. João I, João Frederico Ludovice.
A sua decoração, com aplicação de inúmeras pedras preciosas, baseou-se na grande joalharia da Corte. Deste modo, encontramos grinaldas em pedras de cor; laços em diamantes e rubis; ou pequenas flores em pedraria recordando o trabalho de caixas de rapé em ouro, tão apreciadas na época.
No decorrer dos setecentos, evidenciou-se a oficina dos Pollet, joalheiros de origem polaca que serviram sobretudo D. Maria I. Adão Gotlieb Pollet, "cravador da Corte", desde 1779, foi o autor de algumas das magníficas obras que esta rainha possuiu.
De sua autoria apenas se conhece hoje um belíssimo alfinete com uma safira de 100 quilates, rodeada de diamantes brilhantes, guardada no Palácio Nacional da Ajuda. O seu filho David Ambrosio Pollet conservou a régia clientela de seu pai após a sua morte. Uma das suas encomendas foi a das joias oferecidas por ocasião do casamento dos Príncipes D. João e D. Carlota Joaquina.
No Palácio Nacional da Ajuda conservam-se algumas joias de grande valor executadas por este ourives. Destas destacam- se a " Placa Insígnia das Três Ordens" e o grande "Tosão de Ouro", todas executadas em 1789. Este último, uma das insígnias mais grandiosas em toda a Europa, já anuncia o neoclassicismo.
É curioso salientar que foram as joias de carácter mais popular que sobreviveram ao século dos "diamantes", obras executadas para a pequena e média fidalguia, ou para abastados burgueses.
As joias mais difundidas na segunda metade do século são, sem dúvida, as "laças", apresentando-se como o próprio nome indica, com a forma de um laço a que se acrescentou um pendente.
 As "laças", em prata ou ouro, enriquecidas em alguns casos por pequenos diamantes, tanto podem ser alfinetes, como brincos ou como pendentes no centro de um colar.
O laço como desenho da joia é tipicamente europeu para todo o século XVIII, se bem que em Portugal tenha um tratamento próprio, facilmente distinguível.
Este motivo serviu simultaneamente na produção de joias em "minas novas", o mais famoso substituto entre nós, ou em outras pedras de cor.
Um outro tipo de pendente, que se designa tradicionalmente de "Sequilé", apresenta uma forma de losango ao alto dividido em duas secções. O "Sequilé", se bem que a origem do seu nome seja francesa, sugere uma forte inspiração da joalharia popular espanhola na sua conceção.
As filigranas, produzidas na região de Gondomar e em pequenas oficinas familiares de trabalhadores rurais simultaneamente ourives, são muito apreciadas. As formas obtidas pela junção de estreitos fios de ouro são esplêndidas manifestações do barroco popular.
Mesmo não se conhecendo exemplares de grandes joias  do mundo barroco e rococó em Portugal, com exceção do núcleo da Ajuda, a profusa produção de joias com ou sem "minas-novas" ou pedras de cor, revela-nos um mundo tão espetacular e exibicionista que, estimulado pela imaginação, tanto tem a ver com o modo de ser português.
Conforme mencionado, objetos de adorno e de culto religioso em ouro e pedras preciosas tiveram grande destaque a partir do século XVIII, objetos sagrados tais como âmbulas, anéis, episcopais, cálices, chaves de sacrário, cruzes peitorais e ostensórios são objetos simbólicos pertencentes às classes de distinção, hierarquia e clero.







Nota: este texto foi adaptado a partir de um texto da New Greenfil com o título «Joalharia portuguesa do século XVIII».


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