segunda-feira, novembro 10, 2025
sábado, agosto 09, 2025
Ainda me lembro da Pipoca
Quem abrirá a porta ao gato quando eu morrer?, pergunta o
Rómulo,
E o que será do seu corpo redondo, tão gordinho, tão sábio,
com seus olhos sempre à espera da carícia,
do passo que, mesmo após a morte, ainda guardará o eco do meu gesto?
Ah, quem? Quem será capaz de adivinhar
os segredos que ele esconde,
aquela unhada tímida no tornozelo
que, se fosse um abraço, seria o meu último sopro de vida?
Ele, o rei da cama, tão discreto,
com seu disfarce de bolinha acolhedora,
não percebe que a sua forma nunca se esconde,
que a barriga cheia de carícias se impõe,
como um eco da minha presença que, no fundo,
ele também conhece sem saber.
E quando a porta bater,
será que o vejo correr, sempre rápido,
sempre voltando ao meu lugar,
onde ainda me sinto, onde ainda me ouve,
como se o tempo se recusasse a levá-lo?
Ah, quem abrirá a porta ao gato
quando o silêncio se estender sobre a casa?
Ele, que sempre me viu nas sombras da manhã,
sempre foi mais fiel do que qualquer alma,
saberá, ele, o que me resta?
Saberá ele da última resposta
que deixo nas suas patas,
no último olhar que, com os olhos fechados,
também lhe serei?
Ele morreu primeiro.
E a casa ficou mais vazia,
não pela ausência do corpo,
mas pela falta daquelas patinhas rápidas,
do seu corpo redondo que, ao procurar refúgio,
tomava o meu lugar,
como se, de algum modo, já soubesse
que o nosso tempo era finito,
e o dele, talvez, mais breve.
A porta, que antes se abria ao seu olhar curioso,
agora já não tem os seus olhos a esperá-la.
E onde ele corria, agora é só o eco
do vazio que ele, com sua pequena alma,
deixou. O hábito da unhada carinhosa
não tem mais quem o receba.
Quem serei eu, agora,
se já não sou a mão que o acariciava?
Como explicar ao silêncio
que, mesmo o pequeno corpo, redondo e cheio de graça,
era mais forte do que o próprio lamento?
E como contar que, na dor do adeus,
foi ele quem me deixou antes,
me ensinando que a partida de quem amamos
não é um golpe,
mas um suspiro do que, de mais puro,
o amor se torna — um vazio que nos completa,
sem nunca nos deixar.
E agora?
Quem abrirá a porta ao gato,
se ele, antes de mim, já a fechou?
quarta-feira, agosto 06, 2025
O verdadeiro crime
O fogo, essa besta insaciável,
não brota do nada,
mas da ignorância que se estende,
como o fumo que se espraia sem vergonha.
E não venham com a ladainha
de que o calor é imprevisível,
quando o verdadeiro crime está em quem deixa a terra
à mercê da morte, sem nunca a preparar.
Ah, se soubessem que o inverno
é o tempo da guarda, da ação antecipada,
mas não. Preferem esperar pela labareda,
depois que a terra já chora sua cinza,
depois que os bombeiros, esses heróis acidentais,
têm de enfrentar o inferno que poderia ser evitado,
se ao menos alguém tivesse feito a lição antes.
Pois que importa a neve que cai,
se a terra queimada não conhece o inverno?
Mas ninguém se importa com isso.
Os que podem prevenir preferem olhar para o lado,
dar o ombro aos esquemas sujos,
e, quando a tragédia chega,
vem com a desculpa de que é impossível evitar.
Mas é apenas falta de vergonha,
de quem aproveita do fogo o que o fogo não pede.
Os bombeiros não têm culpa,
eles fazem o que podem,
mas a culpa está em quem não vê
que o inverno é o tempo de fazer
o que a razão exige,
antes que o fogo comece,
antes que a terra clame pela sua alma perdida.
Mas ninguém, claro, se importa com isso.
Deixam arder e depois,
cheios de um falso arrependimento,
dizem que o fogo veio do nada.
E nós, que ficamos,
só temos as cinzas e as farpas da desilusão.
terça-feira, agosto 05, 2025
Balada do Prédio em Noite Roncante
Naquele prédio de betão com alma de penumbra,
reinava o mistério como um senhor de cartola
que, em vez de bater bengala no chão,
batia à porta da Dona Odete,
viúva de guerra nenhuma,
mas mártir da sua própria imaginação.
— "Quem bate?" — dizia ela,
com a respiração em suspense
e o robe de flanela a tremer em verso.
Era sempre à mesma hora,
o relógio, cúmplice da assombração,
marcava as três badaladas
do susto noturno.
A vizinhança?
Surda, muda, ocupada com as novelas da alma.
Do rés-do-chão ao sótão,
ninguém dera fé de vulto ou de sopro.
Afinal, o prédio era tão vivo como um domingo chuvoso.
Até que, do fundo do sarcasmo coletivo,
ergueu-se uma voz mais atrevida:
— “Ó Dona Odete… a senhora, por acaso, ronca?”
Silêncio.
Um silêncio mais indignado que o Parlamento
em noite sem subsídios.
— “Roncar? EU?!” —
respondeu ela, com a dignidade de quem
nunca roncou nem em versos livres.
Mas a teoria avançava, destemida:
— “É que, veja bem, o seu quarto é encostado ao do Senhor Rui…
Talvez ele, torturado por sinfonias nasais,
tenha recorrido ao código Morse na sua porta,
sugerindo uma mudança… de posição.”
— “Mudar de posição?! Nem pensar!” —
bradou Dona Odete,
erguendo-se como uma heroína trágica
num palco de ladrilhos e esquentadores.
E assim ficou o prédio:
entre o espanto e o riso,
com o mistério intacto
e a Dona Odete
a dormir como quem declama Camões em surdina.
Mistério Noturno no Prédio: A Saga da Porta que Bate Sozinha
No prédio da Dona Odete, há uma história que mais parece um guião de filme, só que com menos ação e mais confusão.
A Dona Odete, que já não é propriamente uma jovem promissora, jura que todas as
noites alguém bate à sua porta. Ela nunca abre. Medo? Medo! E atenção, não é
medo de fantasmas, é medo de “quem é que está a incomodar-me a meio do sono?”
A pobre da Dona Odete foi ficando tão stressada que passou a ser praticamente uma especialista em falar sobre o assunto, quase como um podcast ambulante: “Ontem de novo, bateu de novo, socorrooo!” Só que mais ninguém via ou ouvia algo. Os vizinhos do rés-do-chão, que estavam bem atentos ao que se passava, garantem que o prédio estava mais silencioso do que uma reunião de condomínio que acaba cedo.
— Dona Odete, diga-me uma coisa... a senhora ronca?
— Eu? Roncar? Nunca! — respondeu ela, toda ofendida, com o orgulho ferido.
— Pois, o seu quarto fica ao lado do do senhor Rui, não é? Talvez ele ouça os
seus "sons noturnos" e pense que é sinal para bater à porta e pedir
para mudar de posição.
E a Dona Odete, mais ofendida que um juiz de reality show, retrucou:
— Mudar de posição? Isso nunca! O meu sono é sagrado, não aceito intromissões!
Moral da história: O mistério continua. A Dona Odete tornou-se na "rainha das portas batidas", o senhor Rui aguenta os roncos como pode, e o prédio está dividido entre quem acha que é um fantasma e quem sabe que é apenas uma sinfonia noturna desafinada.
Pedimos a alguns dos nossos poetas e criadores de serviço
para escreverem algo sobre o assunto. Eles não se fizeram rogados e deram-me
material para todo o dia…










































