De tantos tempos já fui!Por Sérgio Ribeiro
Deste tempo me lembro/neste tempo vivi/este tempo também eu sou.
De tantos tempos já fui!
Deste tempo/desta praça/destas quintas-feiras/deste mercado/desta gente que eu fui e sou.
Desta gente que nós fomos e somos.
Panelas/“amontolias”/formas para queijo/gente/homens de barrete e jaleco/mulheres de lenço e xaile/(alguns e algumas descalços e descalças)/burros a servirem de montaria/… e de companhia.
Era a vila nova e de Ourém/viva às quintas-feiras.
Uma sardinha assada,/um pedaço de broa e um copo no Manel do Raul/que o ti’Raul era dono da Pensão Santos/ que mais conhecida era pela da Dona Ema;
e/ logo ao lado/a roda de tirar água/ e um jogo da laranjinha/que as laranjinhas eram/então/outras e bem melhores/que as que hoje são/ e tão amargas nos sabem/(não a todos, não a todos.../que alguns bem as saboreiam).
E para casa/nas aldeias ao redor/se levavam as sardinhas/ que da Nazaré vinham/e para toda a semana se mercavam;
de salmoura se guardavam/que até à quinta-feira/da semana que logo viria/era preciso se chegassem.
Nalgumas das casas/em muitas casas/era preciso partir e repartir;
o homem ficava com o melhor bocado/que ele era quem partia e repartia/ainda que fossem as mãos da mulher que partissem e repartissem/porque era ele quem trabalhava de sol a sol…/como se não fosse de sol a sol o trabalho da mulher/que fazia a lida da casa/que tratava do gado e da horta/que cozia o pão/que fazia a vindima/que organizava a descamisada/e tempo lhe tinha que sobrar para ajudar o “sê home” nas fainas que/dizia-se/dele seriam.
Descalços andavam os gaiatos/descalços e ranhosos/pés nus, frios, magoados, feridos/depressa duros, crostas, calejados/preparados para as pedras e as silvas a caminho das escolas/onde escolas havia/e só para aqueles que às escolas iam.
Depois/foi o salto/a fuga para as Franças e Araganças/a recusa da estagnação/da resignação/da pobreza/do cerco/da repressão/da guerra/do que não se queria que continuasse/mesmo sem se saber o que não se queria/e também sem se saber o que se queria/a não ser que era preciso ir/que era vital partir.
E como os tempos mudaram.
Como fizemos/as mulheres e os homens de todos os tempos/mudar os tempos!
De tantos tempos já fui!
Vivi atravessando estes tempos que fomos e somos.
Deste tempo me lembro/e gosto de o lembrar como tempo vivido/Com saudade/com nostalgia/mas olhando-o de frente/Com os olhos de hoje/Dos homens e das mulheres de hoje/e de amanhã.
Deste tempo me lembro/neste tempo vivi/este tempo também eu sou.
De tantos tempos já fui!
Deste tempo/desta praça/destas quintas-feiras/deste mercado/desta gente que eu fui e sou.
Desta gente que nós fomos e somos.
Panelas/“amontolias”/formas para queijo/gente/homens de barrete e jaleco/mulheres de lenço e xaile/(alguns e algumas descalços e descalças)/burros a servirem de montaria/… e de companhia.
Era a vila nova e de Ourém/viva às quintas-feiras.
Uma sardinha assada,/um pedaço de broa e um copo no Manel do Raul/que o ti’Raul era dono da Pensão Santos/ que mais conhecida era pela da Dona Ema;
e/ logo ao lado/a roda de tirar água/ e um jogo da laranjinha/que as laranjinhas eram/então/outras e bem melhores/que as que hoje são/ e tão amargas nos sabem/(não a todos, não a todos.../que alguns bem as saboreiam).
E para casa/nas aldeias ao redor/se levavam as sardinhas/ que da Nazaré vinham/e para toda a semana se mercavam;
de salmoura se guardavam/que até à quinta-feira/da semana que logo viria/era preciso se chegassem.
Nalgumas das casas/em muitas casas/era preciso partir e repartir;
o homem ficava com o melhor bocado/que ele era quem partia e repartia/ainda que fossem as mãos da mulher que partissem e repartissem/porque era ele quem trabalhava de sol a sol…/como se não fosse de sol a sol o trabalho da mulher/que fazia a lida da casa/que tratava do gado e da horta/que cozia o pão/que fazia a vindima/que organizava a descamisada/e tempo lhe tinha que sobrar para ajudar o “sê home” nas fainas que/dizia-se/dele seriam.
Descalços andavam os gaiatos/descalços e ranhosos/pés nus, frios, magoados, feridos/depressa duros, crostas, calejados/preparados para as pedras e as silvas a caminho das escolas/onde escolas havia/e só para aqueles que às escolas iam.
Depois/foi o salto/a fuga para as Franças e Araganças/a recusa da estagnação/da resignação/da pobreza/do cerco/da repressão/da guerra/do que não se queria que continuasse/mesmo sem se saber o que não se queria/e também sem se saber o que se queria/a não ser que era preciso ir/que era vital partir.
E como os tempos mudaram.
Como fizemos/as mulheres e os homens de todos os tempos/mudar os tempos!
De tantos tempos já fui!
Vivi atravessando estes tempos que fomos e somos.
Deste tempo me lembro/e gosto de o lembrar como tempo vivido/Com saudade/com nostalgia/mas olhando-o de frente/Com os olhos de hoje/Dos homens e das mulheres de hoje/e de amanhã.
2 comentários:
Caro Sérgio, dás-me cada pérola!
E que achas a este formato?
Deste tempo me lembro
neste tempo vivi
este tempo também eu sou.
De tantos tempos já fui!
Deste tempo
desta praça
destas quintas-feiras
deste mercado
desta gente que eu fui e sou.
Desta gente que nós fomos e somos.
Panelas
“amontolias”
formas para queijo
gente
homens de barrete e jaleco
mulheres de lenço e xaile
(alguns e algumas descalços e descalças)
burros a servirem de montaria
… e de companhia.
Era a vila nova e de Ourém
viva às quintas-feiras.
Uma sardinha assada,
um pedaço de broa e um copo no Manel do Raul
que o ti’Raul era dono da Pensão Santos
que mais conhecida era pela da Dona Ema;
e
logo ao lado
a roda de tirar água
e um jogo da laranjinha
que as laranjinhas eram
então
outras e bem melhores
que as que hoje são
e tão amargas nos sabem
(não a todos, não a todos...
que alguns bem as saboreiam).
E para casa
nas aldeias ao redor
se levavam as sardinhas
que da Nazaré vinham
e para toda a semana se mercavam;
de salmoura se guardavam
que até à quinta-feira
da semana que logo viria
era preciso se chegassem.
Nalgumas das casas
em muitas casas
era preciso partir e repartir;
o homem ficava com o melhor bocado
que ele era quem partia e repartia
ainda que fossem as mãos da mulher que partissem e repartissem
porque era ele quem trabalhava de sol a sol…
como se não fosse de sol a sol o trabalho da mulher
que fazia a lida da casa
que tratava do gado e da horta
que cozia o pão
que fazia a vindima
que organizava a descamisada
e tempo lhe tinha que sobrar para ajudar o “sê home” nas fainas que
dizia-se
dele seriam.
Descalços andavam os gaiatos
descalços e ranhosos
pés nus, frios, magoados, feridos
depressa duros, crostas, calejados
preparados para as pedras e as silvas a caminho das escolas
onde escolas havia
e só para aqueles que às escolas iam.
Depois
foi o salto
a fuga para as Franças e Araganças
a recusa da estagnação
da resignação
da pobreza
do cerco
da repressão
da guerra
do que não se queria que continuasse
mesmo sem se saber o que não se queria
e também sem se saber o que se queria
a não ser que era preciso ir
que era vital partir.
E como os tempos mudaram.
Como fizemos
as mulheres e os homens de todos os tempos
mudar os tempos!
De tantos tempos já fui!
Vivi atravessando estes tempos que fomos e somos.
Deste tempo me lembro
e gosto de o lembrar como tempo vivido
Com saudade
com nostalgia
mas olhando-o de frente
Com os olhos de hoje
Dos homens e das mulheres de hoje
e de amanhã.
Saiu-me de jacto. A forma ficou para ver depois. Se vier a valer a pena... daqui a dias, meses ou anos. Se resistir ao tempo.
Mas estás-me a pressionar, amigo Luís, e breve te direi alguma coisa.
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